terça-feira, 27 de julho de 2010




A voz rouca e encorpada de Eduardo Araújo já ecoava pelos campos da fazenda de seu pai em Joaíma, no interior de Minas Gerais, desde muito cedo, e logo o fez perceber que a carreira de veterinário talvez não fosse a melhor opção para sua vida. Partiu então em busca de outras terras e resolveu cavalgar pelas notas e acordes dançantes de um ritmo novo que surgia com força e ousadia no cenário musical brasileiro: a Jovem Guarda. Liderada por nomes como Roberto Carlos e Erasmo Carlos e tendo ainda em seu elenco as presenças marcantes de Renato e seus Blue Caps, Ronnie Von, The Fevers, Jerry Adriani além das musas Wanderléa, Rosemary e Sylvinha Araújo, dentre outros, a Jovem Guarda logo emplacaria nas paradas de sucesso e faria com que um desesperançado Eduardo Araújo deixasse novamente a fazenda de seu pai para trás e voltasse ao Rio de Janeiro atrás do sonho de cavalgar na crista da onda daquelas canções. O que aconteceria efetivamente no ano de 1967 quando estourou com o seu primeiro sucesso, a canção “O bom”, de Carlos Imperial, que traduzia o comportamento e a postura musical e artística daquela nova geração de músicos.



“Ele é o bom, é o bom, é o bom
“Ele é o bom, é o bom, é o bom
Ah! Meu carro é vermelho, não uso espelho pra me pentear
Botinha sem meia e só na areia eu sei trabalhar”

Eduardo Araújo sempre se mostrou um artista inventivo e original que além de comandar o programa o “Bom”, na TV Excelsior, ao lado de sua futura esposa Sylvinha Araújo, também começava a fazer experimentos na música brasileira. Tendo dito em 1971 que Luiz Gonzaga era o “papa da verdadeira música brasileira” ele já demonstrava a sua vontade de misturar diversos gêneros sob a batuta do rock ao gravar com virilidade músicas como “Asa Branca”, “Juazeiro”, ambas de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, e “Ave Maria no morro”, de Herivelto Martins, dentre outras. No entanto, o maior sucesso autoral de Eduardo Araújo até hoje ainda é a música “Vem quente que eu estou fervendo”, em parceria com Carlos Imperial, verdadeiro Midas das paradas de sucesso da música brasileira.



“Se você quer brigar
E acha que com isso
Estou sofrendo
Se enganou meu bem
Pode vir quente
Que eu estou fervendo”

Esse espírito inventivo e desbravador envolveria também Sylvinha Araújo, que havia ficado nos primeiros lugares da parada de sucessos em 1968 com a música “Minha primeira desilusão”, e agora gravaria versões pungentes e inusitadas das músicas “Risque”, de Ary Barroso e “Paraíba”, também de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, o que levaria o jornalista Nelson Motta a compará-la à musa do blues dos anos 70, Janis Joplin. E Sylvinha Araújo não era mais apenas a cantora que imitava Rita Pavone, ganhava assinatura e público próprios.



“Hoje eu mando um abraço
Pra ti pequenina
Paraíba masculina
Mulhé macho, sim sinhô"

Essa vontade de se remeter às raízes da música brasileira intensificou-se na década de 80, quando Eduardo Araújo mergulhou de cabeça na chamada country music e retornou definitivamente para onde tudo começou. Sempre apaixonado por cavalos e o ambiente da fazenda, com o qual conviveu desde a infância, Eduardo Araújo passou a se notabilizar por fazer agora uma música com a qual o brasileiro do interior sempre se identificou e que passava a invadir também o sentimento do homem criado na cidade, a partir da mistura de dois gêneros, o country e o rock. Sem perder a veia inovadora, Eduardo gravou uma versão em twist da música “Maringá”, de Joubert de Carvalho, e obteve grande sucesso ao homenagear uma das mais nobres raças de cavalo, o “Mangalarga Marchador”.



“Ô Maringá, Maringá
Depois que tu partiste
Tudo aqui ficou tão triste
Que eu garrei a imaginar
Ô Maringá, Maringá
Para haver felicidade
É preciso que a saudade
Vá bater noutro lugar”

Os cabelos lisos e penteados de lado com direito a olhar galanteador deram lugar ao chapéu de boiadeiro e ao bigode, mas a essência do rock continua em suas músicas que misturam com qualidade irretocável os melhores gêneros da música brasileira. Com guitarra em punho, violão a tiracolo e voz sempre imponente e verdadeira Eduardo Araújo segue há 50 anos por essa estrada do rock, guiado pela voz jovial e inesquecível de Sylvinha Araújo. Eduardo e Sylvinha Araújo, dois pioneiros do rock brasileiro e da mistura de gêneros, serão sempre lembrados no hall dos nomes mais importantes da música brasileira.



“Eu sou terrível
Vou lhe dizer
Eu ponho mesmo
Pra derreter
Estou com a razão no que digo
Não tenho medo nem do perigo
Minha caranga é máquina quente
Eu sou terrível”

Raphael Vidigal Aroeira

domingo, 18 de julho de 2010




Sob uma luz mais baixa ele carrega flores e corteja a dama. Folhas se entregam ao chão pois é outono, no mesmo instante o vento sibila sob o mar que bate contra a areia na noite deserta e pressente o orvalho que irá molhar as flores na primavera. Tito Madi é um cavalheiro da canção que debaixo das poucas estrelas que pontilham um céu escuro e macio conforta-nos com sua dor. A chuva tenta em vão abafar a saudade lá fora enquanto Tito nos inebria com sua voz límpida e doce pontuada pelas notas de um piano ou regida por uma orquestra.



“A noite está tão fria, chove lá fora
E esta saudade enjoada não vai embora
Quisera compreender porque partiste
Quisera que soubesses como estou triste”

A voz morosa e graciosa de Tito Madi sinalizava, no final da década de 50, qual seria o canto e as melodias da próxima estação. A bossa nova, canção que simbolazaria um Brasil novo e moderno iria se utilizar das influências trazidas pela turma de Tito Madi, Dick Farney, Agostinho dos Santos, dentre outros. As harmonias sofisticadas que Tito usava em suas músicas carregavam consigo todo o requinte de um compositor que sempre primou pela delicadeza e vê o canto como uma forma de cochicar ao ouvido da amada todo seu carinho e amor.



“E volte, por favor
Venha correndo
Que estarei para lhe dar
Carinho e muito amor”

Nas palavras de Tito Madi, sua obra e a de Dolores Duran funcionam como “elo de união da música brasileira entre as fases de Chico Alves e a bossa nova”. Caracterizado por ser um compositor cuidadoso e atento aos detalhes, Tito Madi utiliza-se do recurso de repetir com melindro as mais bonitas palavras da canção para que elas fiquem sutilmente gravadas nos corações. Pode-se dizer que a voz e as composições de Tito Madi inspiram-se na leveza que o bater de asas de um passarinho, a jóia regada a ouro e o bilhete colocado em meio ao buquê de rosas da namorada trazem para o mundo.Tito Madi canta olhando nos olhos e compõe como se fizesse uma confissão singela de seus mais nobres sentimentos. Tendo recebido prêmios como “Disco de Ouro”, medalhas dos Diários Associados e da Revista do Rádio, Tito teve também seus maiores sucessos regravados em versões em inglês nos Estados Unidos. Porque Tito é o compositor que faz balançar os corações da zona norte e da zona sul do Brasil. E inclusive fora dele.



“Balance os cabelos seus
Balance cai mas não cai
E se cair vai caindo caindo
Nos braços meus”

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 18/07/2010.

terça-feira, 13 de julho de 2010




Um terno alinhado, uma camisa de botão, para as ocasiões mais especiais uma gravata, cabelos penteados para trás, anel de brilhante no dedo, metralha na cintura e na garganta, no gogó, como ele dizia. Assim ele subia ao palco, disparava o vozeirão e era adorado por seu povo. Com sua porção sofisticada e sua porção considerada brega Nelson Gonçalves agradava tanto ao gosto popular como aos ouvidos mais exigentes. Porque Nelson cantava de tudo, tinha voz para cantar de tudo, e cantava como ninguém. Escolhia seu repertório através das canções que mais lhe comoviam e se encaixavam em sua voz. E era exatamente por causa dessa última condição que ele cantava de tudo. A voz de Nelson Gonçalves era maior até que as próprias canções que cantava. Maior do que o próprio mito em torno dele. Nunca ouve voz capaz de vibrar tanto quanto aquele grave. Quando cantava os versos de “Pensando em Ti” com a voz embargada por supostas lágrimas ou concedia a força necessária para a “Renúncia”, Nelson costumava dizer que ele mesmo se emocionava com suas interpretações. Era um homem vaidoso, que gostava de se elogiar, centrado em si, que deixou suas mulheres, sua mãe e seus filhos. Mas que deixou principalmente sua voz, para que pudéssemos ouvi-la e nos emocionar como ele. Municiado por seus “dós-de-peito” Nelson cantava sem nenhum esforço. Cantar, para Nelson Gonçalves, era a coisa mais fácil do mundo.



“Eu amanheço pensando em ti
Eu anoiteço pensando em ti
Eu não te esqueço
É dia e noite pensando em ti
Eu vejo a vida pela luz dos olhos teus
Me deixa ao menos
Por favor pensar em Deus”

Até hoje não se tem certeza do dia em que aquele menino batizado Antônio Gonçalves Sobral nasceu, em Santana do Livramento, no interior do Rio Grande do Sul. No entanto, sabe-se dizer com exatidão quando foi que Nelson Gonçalves nasceu para o mundo. Foi quando ele começou a cantar. Muito antes da cantora Sônia Carvalho rebatizá-lo, Nelson Gonçalves já era Nelson Gonçalves. Muito antes de acompanhar seu pai, que se fingia de cego e tocava violão para arrecadar uns trocados, ele já era Nelson Gonçalves. Muito antes de subir naquele caixote de papelão. Nelson Gonçalves nasceu Nelson Gonçalves. Nasceu com aquela voz que o consagraria e que seria também a senha para sua ruína. Depois de batalhar muito e alcançar sucesso estrondoso com clássicos como “A Volta do Boêmio”, “Meu vício é você”, ambas de Adelino Moreira, seu parceiro mais freqüente, “Maria Bethânia”, “Carlos Gardel”, “Normalista”, “Segredo”, “Marina”, dentre tantos outros, os confetes e serpentinas que lhe caíam na cabeça transformaram-se em pó branco, e em 1965 ele seria preso. Restava a Nelson agora, eleito diversas vezes Rei do Rádio, dar a volta por cima. Após vários romances e casamentos conturbados com Elvira Molla e a cantora do Trio de Ouro Lourdinha Bittencourt, Nelson se juntava agora à Maria Luiza. E seria ela que tentaria vender seus shows em circos e casas pequenas quando ninguém o queria, seria ela que agüentaria surras homéricas e não reclamaria. E foi para ela que Nelson Gonçalves, um ano depois de ser preso, compôs uma música em agradecimento e homenagem. Ela que esteve com ele durante os piores dias de sua vida. Muitas lágrimas rolaram no caminho dos dois.



“Eu chorei
Pela segunda vez na minha vida
Quando minha vida se complicou
Tínhamos então mais vinte anos
Mágoas, saudades, desenganos
Lembro-me bem do teu olhar esquisito
Quando te olhei surpreso e muito aflito
E uma lágrima dos olhos me rolou”

“Fracasso, fracasso, fracasso afinal
Por te querer tanto bem
E me fazer tanto mal”

O desejo de cantar herdado do pai veio acompanhado pela boemia que Nelson levou para toda a vida. Embora tenha se livrado da cocaína ele nunca largou o cigarro, a jogatina e a bebida. E esses eram alguns dos motivos que o levavam a cometer covardias contra suas mulheres, e embora tenha batido em todas elas, ninguém apanhou mais de Nelson Gonçalves do que ele mesmo. Como o político que nunca conseguiu ser, Nelson tentava agradar aos outros somente no palco, quando cantava suas mágoas, seus amores e suas tristezas. Mas cantava e principalmenta contava também suas conquistas. Nelson foi sempre chegado a boas histórias como brigas inesquecíveis com malandros da Lapa e lutas de boxe que se tornaram históricas. Era comum também mentir sobre o número de filhos, que foram tantos que ele provavelmente perdeu a conta. Se sua fala soava muitas vezes inapropriada, gaga, taquilárica, controversa, ele sabia exatamente o que queria dizer quando cantava, com a autoridade concedida por sua voz grave como foi sua vida, imensa como foram seus amores, destrutiva e emblemática como foi seu apelido, capaz de destruir corações e acariciar ouvidos, Nelson Gonçalves Metralha. A vida o conduziu, as brigas lhe feriram, mas a voz o eternizou.



“Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor”

Com o humor afiado que lhe era peculiar, sempre com tiradas irônicas e sorrisos sacanas, Nelson dizia que se considerava um “dinossauro”, e para ele não importava “ser o número um em Miami ou o segundo em Veneza”, pra ser feliz ele queria “o quinto lugar nas paradas de Madureira ou o terceiro na periferia de São Paulo.” Nelson Gonçalves nunca se desfez de sua origem simples, sofrida, e o comportamento que teve durante a vida esteve sempre associado à essa característica. Por isso mesmo, ele caiu nos braços do povo como nos braços de suas mulheres, com a diferença que abandonou todas elas, e dos braços do povo, nunca saiu.

“Não, não, não, não amor
Dos meus braços tu não sairás
Se tentares me abandonar
Nem sei de que serei capaz”

Nelson Gonçalves era um homem de temperamento difícil, um boêmio, um ingênuo, um tirador de sarro que teve vida errante e voz inalcançável. Começou imitando Orlando Silva e terminou recebendo prêmio concedido somente à Elvis Presley, por ter ficado 55 anos na mesma gravadora, a RCA-Victor. O personagem Nelson Gonçalves. A Voz de Nelson Gonçalves, aquele que não conheceu Frank Sinatra, mas que foi o cantor mais popular de sua época do país mais rico em música de que se tem notícia.



“Eu quero pra mim seu amor, só porque
Aceito seus erros, pecados e vícios
Hoje na minha vida, meu vício é você”

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 11/07/2010.




Sentado no meio de sua sala, com um copo de uísque na mão, cabelos longos, lisos e grisalhos, lá estava ele, rodeado por amigos que adoravam rir de suas piadas, cantar seus poemas, ouvir suas histórias de amor e tocar as músicas que eram feitas com suas letras. Amigos que sabiam que sem ele aquela comunhão não seria possível. Vinicius de Moraes chamava a todos por diminutivos, como prova de seu imenso carinho. O poetinha, como ficou conhecido por conta dessa carinhosa mania, era um reconhecido galanteador, um poeta indiscutível, um letrista que fazia do simples a obra de sua arte, um homem apaixonado que exaltou o amor a vida inteira. Exaltou as mulheres e as belezas brasileiras. Quem poderia dizer que aquele diplomata demitido pelo governo militar se tornaria um dos maiores poetas do nosso país? Quem poderia dizer que suas poesias se encaixariam com perfeição em melodias lapidadas por Tom Jobim, Chico Buarque, Carlos Lyra, Baden Powell, Francis Hime, Edu Lobo e principalmente Toquinho, o parceiro com quem mais compôs músicas? Quem seria capaz de dizer que aquele que mais propagou o amor na música e na literatura brasileira casaria-se nove vezes em circunstâncias e cerimônias cada vez mais inusitadas? Vinicius de Moraes era mesmo um homem surpreendente, que encontrou na bossa nova, na garota de Ipanema e na praia de Itapoã as paisagens perfeitas para sua poesia.



“Passar uma tarde em Itapoã
Ao sol que arde em Itapoã
Ouvindo o mar de Itapoã
Falar de amor em Itapoã”

Vinicius de Moraes chamava um de seus melhores amigos pelo apelido de “cachorro engarrafado”, era ao uísque que ele se referia. Vinicius de Moraes chamava a cidade de São Paulo de “túmulo do samba”. E Vinicius dizia que “mesmo o amor que não compensa” era “melhor que a solidão”. Porque Vinicius de Moraes era contra a solidão, e a sua casa sempre aberta era uma prova disso. Seu coração sempre disposto era outra prova disso. Sua poesia sempre inspirada e apaixonada é a maior e mais duradoura prova de todas. Rodeado por muitos amigos e muitos amores, Vinicius mantinha aquela expressão de menino procurando algo, sempre atrás de alguma coisa. Talvez tenha achado, talvez a tenha perdido, mas ele estava sempre procurando. O amor que residia na felicidade, ou a felicidade que residia no amor. Ninguém jamais professou o amor com tamanha ternura e delicadeza como Vinicius de Moraes.



“Se você quer ser minha namorada
Ai que linda namorada
Você poderia ser”

“Formosa, não faz assim
Carinho não é ruim
Mulher que nega, não sabe não
Tem uma coisa de menos no seu coração”

Chega de saudade, meu poeta Vinicius de Moraes, vamos celebrar juntos esses 30 anos em que o amor teve menos uísque mas não menos poesia. “É melhor ser alegre, que ser triste”. Que bom seria “se todos fossem iguais a você” Vinicius. Mas você é único, “posto que é chama, que seja eterno enquanto dure” e dure para sempre, como sua música, sua poesia, seus amores. Vinicius de Moraes, poetinha do amor imenso.

“Chega de saudade
A realidade é que
Sem ela não há paz,não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai”



Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 11/07/2010.

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