Carmen Miranda não era brasileira, nem portuguesa, nem chegou a ficar americanizada. Sua personalidade musical não tolerava restrições de gênero, território ou critérios absolutos. Carmen Miranda é hoje, como sempre foi, uma identidade universal da boa música: embora ela cante em bom português falado brasileiramente, mesmo quando o idioma é estrangeiro, na voz de Carmen soa língua mãe.
“No tabuleiro da baiana”, composto por Ary Barroso em 1936, é um samba-batuque que traz em seu cardápio musical suingue e malemolência, em versos que soam tão deliciosos quanto os ingredientes do tabuleiro. Misturando elementos típicos da cultura baiana ao amor e ao samba e tornando-os definitivamente parte da mesma receita, Ary Barroso criou um dos mais famosos pratos da culinária musical brasileira, que Carmen cantou com graça coloquial: “No tabuleiro da baiana tem...”
Camisa listrada
Outra camisa presente nas passarelas de rua do carnaval foi a listrada de Assis Valente. Nela é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão. A música retrata o descompasso do amor entre a mulher que sofre em vão e o homem que vai à folia do carnaval. É um apelo que a mulher faz para que seu homem não se fantasie.
Na Baixa do Sapateiro
A Bahia foi o grande amor paisagístico de Ary Barroso. Por ela se embeveceu ao excursionar com orquestra da qual participava em 1929. E a cidade nunca mais saiu do seu pensamento, recebendo várias homenagens emocionadas. A mais famosa delas é “Na baixa do Sapateiro”, segunda música mais gravada da lavra de Ary Barroso, perdendo somente para a patrimonial “Aquarela do Brasil”. O título é inspirado no nome popular de uma rua de Salvador, e serviu de mote para que Ary pudesse suspirar um encontro afetuoso entre ele e uma morena frajola. Com início retumbante e desenrolar mais ameno, a música chamou a atenção novamente dos produtores americanos, e foi incluída em mais um filme de Walt Disney, “Você já foi à Bahia?”, com título modificado para o nome do local citado. Todo o encantamento em torno da música rendeu a Ary Barroso novos convites para trabalhar nos Estados Unidos, em sintonia com Carmen Miranda, que a lançou. Os planos não deram certo, desentendimentos e desencontros certificaram para Ary Barroso que ele pertencia mesmo à Bahia, ao Brasil.
Disseram que eu voltei americanizada
Em 1940, após um longo período sem se apresentar no Brasil, a portuguesa Carmen Miranda voltou à terra que a acolheu e foi recebida no aeroporto por uma multidão de fãs. No entanto, ao se apresentar a grã-finos no Cassino da Urca acabou tendo uma recepção fria por cantar algumas músicas em inglês. Acusada de ter ficado “americanizada” pelo tempo que passou nos Estados Unidos, Carmen gravou no mesmo ano o samba “Disseram que eu voltei americanizada”, de Luís Peixoto e Vicente Paiva, no qual era enfática: “enquanto houver Brasil na hora da comida, eu sou do camarão ensopadinho com chuchu!”, dando mais um exemplo da importância cultural da nossa rica culinária e de todo seu apreço por ela.
Na batucada da vida
“Na batucada da vida”, mais um dentre os muitos sucessos de Ary Barroso, é o depoimento da mulher que passa pelo amor e pelo sofrimento, pelo silêncio e pela batucada, e que no fim só quer ser ouvida. Apela a quem puder ouvir que a ouça, pois ela seguirá sempre cantando, na orgia e na pancadaria, bebendo cachaça e passando por batismos de fumaça, desprezada e quem sabe até um dia, amada. “Na batucada da vida” é a mulher falando, cantando, pedindo que lhe dêem ouvidos, pois ela seguirá em frente, independente de qual seja seu destino. É um apelo à vida!
Tico – Tico no Fubá
“Tico – Tico no Fubá”, um dos choros mais regravados de todos os tempos, tanto no Brasil quanto no exterior, é uma obra prima de Zequinha de Abreu composta em 1931. Em ritmo que faz lembrar o alvoroço dos pássaros em meio aos farelos do fubá, a música ganhou mais tarde duas letras diferentes, uma de Eurico Barreiros, lançada por Ademilde Fonseca, e outra de Aloísio de Oliveira, lançada por Carmen Miranda. Apesar disso, ambas conversam sobre o mesma tema, em tom de diálogo as cantoras pedem ajuda para salvar o seu precioso fubá dos famintos passarinhos. É um tico – tico no fubá que dá vontade de comer e dançar ao mesmo tempo!
Aurora
Antes de Amélia, houve na vida de Mário Lago uma outra mulher. Sorte que ela não fosse sincera, pois inspirou-lhe belas alfinetadas na sabida moça. Carmen Miranda alçou ao sucesso as qualidades de Aurora, que foi pela primeira vez cantada pela dupla Joel e Gaúcho. No carnaval de 1941, a marchinha de Roberto Roberti e Mário Lago alcançou glórias em terras brasileiras, inglesas e americanas, tornando-se inclusive, tema de filme estrangeiro.
Raphael Vidigal Aroeira
Lido na Rádio Itatiaia dia 13/02/2011.
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