domingo, 25 de abril de 2010



Em 1808, junto com a Corte Portuguesa, chegava ao Brasil um gênero musical que transformaria toda a história das composições românticas que seriam feitas no país: a valsa.
De caráter inicialmente apenas instrumental e executada por grandes orquestras, a valsa era dançada e apreciada pela nobreza nos luxuosos salões imperiais da época, tendo inclusive Dom Pedro I como um de seus compositores.
Dançada com os pares enlaçados, a valsa parece fazer deslizar o beijo preso pelos braços de dois namorados, executada sempre no sentido contrário aos ponteiros do relógio.
Suspenso no ar, o beijo desliza com a elegância dos passos combinados por movimentos sutis e pelo olhar.
Como uma forma de se declarar o amor que não se pode declarar, a valsa notabiliza-se pelo desejo implícito presente na distância das bocas e na aproximação dos corpos.



Carlos Galhardo, o Rei da Valsa, nasceu no dia 24 de abril de 1913.
O sangue argentino que corria em suas veias era sempre negado em entrevistas.
Mas impossível não notar toda aquela latinidade argentina que não resistia às grandes paixões na forma das valsas mais brasileiras.
O cantor com pinta de galã foi para São Paulo ainda bebê, aos dois meses, mas foi no Rio de Janeiro que iniciou sua trajetória musical e artística, cantando e atuando em filmes.

“Até o verde que das cores é a mais bela
Faz lembrar-me os olhos dela
Da mulher que não me quis”

A música sempre quis Carlos Galhardo.
Mal sabia ele que tudo começaria quando ainda era alfaiate.
Pois foi executando a profissão da qual não gostava que conheceu o barítono e alfaiate Salvador Grimaldi, com quem ensaiava duetos de ópera.
Eterno romântico, Carlos Galhardo teve uma trajetória difícil, tendo perdido a mãe aos 8 anos de idade.
A partir dali, o pai o levou para morar com um parente no bairro do Estácio, e Carlos Galhardo foi definitivamente adotado pela música.

“O nosso amor traduzia
Felicidade e afeição
Suprema glória que um dia
Vivia ao alcance da mão”



Em uma festa na qual estavam presentes Francisco Alves, Mário Reis e Lamartine Babo, Carlos Galhardo soltou a voz e agradou, sendo aconselhado a tentar a sorte no rádio.
Sorte essa que lhe sorriu quando ele começou a cantar no coro que acompanhava as gravações da RCA – Victor.
Logo, sua voz macia e doce descortinaria com delicadeza os versos da canção, talhando o veludo da cortina que encantou e fez sofrer diversos corações.

“Num apartamento azul
Do nosso coração
Há rosas de Istambul
Tem jarros do Japão”

A voz de Carlos Galhardo exemplifica todo seu amor pela música, que embora embale versos tristes e sofridos mantém sempre a elegância dos pares que seguem os passos compassados da valsa, a alegria da multidão que dança o samba e pula o carnaval. No dia 25 de julho de 1985, Carlos Galhardo se foi, “deixando em tudo o perfume da saudade que ficou”, e agora “voa, pois a vida é tão boa quando se tem um amor no coração”, a vida é tão boa quando se tem Carlos Galhardo cantando belas canções!

“Quando lá no céu surgir
Uma peregrina flor
Pois todos devem saber
Que a sorte me tirou
Foi uma grande dor”

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 25/04/2010.

terça-feira, 13 de abril de 2010


1- Sufoco / Com açúcar, com afeto:
Dos vários tipos de amor que existem, um deles é o que sufoca, machuca, maltrata. O outro é o que cuida, constrói, espera, prepara o café e o doce predileto. Em comum, o fato de serem amores e passarem por cima do sofrimento, da indiferença e da loucura para sobreviverem. Pois embora seus cardápios sejam diferentes, um mais doce o outro mais amargo, ambos se alimentam do mesmo ingrediente indispensável ao amor: a superação. O amor é uma questão de superação. Só quem supera o sufoco é capaz de amar e de deliciar os seus sabores, com açúcar e com afeto, um apelo ao amor.



2- Castigo:

Dolores Duran derramou com sua poesia feminina todas as lágrimas que caíam de sua alma sofrida de mulher. Derramou o amor que cai e nem sempre reúne forças para se levantar. Aquele amor que se arrepende de não ter sabido amar, de ter se protegido do outro sem perceber que fugia de si, que o outro e ele eram apenas um, que o amor une as diferenças e as transforma em um único e grande sentimento, que chora, magoa e vá embora. E depois quer voltar. O amor castiga porque quer sempre voltar. E você não tem escolha se não aceitá-lo, pois ele baterá em sua porta até que ela se abra. Dolores Duran apela ao tempo que ele volte, para que ela conserte os erros do passado.


3- Ouça:
Maysa apela a seu amor que seus ouvidos sejam apenas dela, e que ele se penitencie por ter desperdiçado a chance de viver um grande amor que só quis carinho, atenção e companheirismo. Um grande amor que se cansou de amar sozinho, de não receber em troca a mesma quantidade de afeto que doou. É a voz forte e machucada de uma mulher se reerguendo, indo embora, tentando deixar para trás o sofrimento que por tanto tempo aceitou e conheceu, e agora já não agüenta mais. Ouça, é a mulher pedindo, implorando, querendo que o amor a reconheça.


4- Ronda:

Há também a voz da mulher que faz de tudo pelo seu amor. Que ronda toda a cidade buscando inutilmente o homem dos seus sonhos. Se submete a andar por bares e avenidas, a espiar por entre olhares e mesas de bilhar, tentando descobrir uma única pista que a faça chegar ao seu destino que ela não se cansa de procurar. É a mulher que se humilha, que ama tão intensamente que se sujeita a percorrer a noite inteira e descobrir por fim o seu homem com outras mulheres. É a mulher que acredita que para ela o amor é tudo, merece tudo. A mulher que sangra e é capaz de fazer sangrar. A mulher que apela às ultimas conseqüências para fazer seu homem amá-la.


5- Por causa de você:

“Por causa de você” é a mulher sussurrando ao ouvido de seu amado que ele retorne. É a mulher sussurrando ao ouvido de seu amor que ele nunca mais vá embora, nunca mais deixe murchar as flores da janela que sorriem e cantam somente por causa dele. É a mulher que sem seu homem é só tristeza, amargura, mesmo nas coisas simples que ele tocou. Nas coisas simples que seu coração guardou com carinho e dedicação. É a mulher pedindo a seu homem que ele fique, mostrando que sem ele, ela não existe. A mulher que pede ao amor que ele não fale, não lembre, não chore. Apenas ame. Apenas a ame. O apelo da mulher que só quer ser amada.


6- Camisa amarela:

“Camisa amarela”, clássico de Ary Barroso, mostra a vida da mulher que espera o seu amor antes, durante e depois do carnaval. Espera o seu amor se perder na folia e na cachaça. Espera pacientemente em casa. Se contenta com um pedaço apenas daquele imenso amor que ela tem para dar, pois sabe que jamais o terá por inteiro. No entanto ela espera, aceita, sabe que o seu é o melhor pedaço, mesmo mau humorado, cansado. Aquele pedaço que para as outras parece pequeno é o suficiente para completá-la. E ela precisa dele como o carnaval precisa de fantasias, máscaras e camisas amarelas. É a mulher que ama mais ao seu homem do que a si, e permite, deixa, gosta de ser dominada.


7- Camisa listrada:

Outra camisa presente nas passarelas de rua do carnaval foi a listrada de Assis Valente. Nela é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão. A música retrata o descompasso do amor entre a mulher que sofre em vão e o homem que vai à folia do carnaval. É um apelo que a mulher faz para que seu homem não se fantasie.


8- Lança perfume:

Rita Lee lança todo o seu perfume para pedir ao seu homem que ele a encha de amor, a deixe de quatro no ato, a faça de gato e sapato. É a mulher se libertando e se entregando, deixando-se completamente à mercê do que possa acontecer. Pedindo, se jogando na fogueira da paixão com o corpo nu e a alma leve. É a mulher envolta pelos braços quentes e suados da paixão querendo mais amor, mais perfume. É um apelo ao amor sem sossego, à paixão sem limites.


9- Que será?

Dona de uma das vozes que mais sofreu por amor nesse país, Dalva de Oliveira se vê completamente perdida quando enxerga a possibilidade de perder os beijos, os abraços e o calor de seu homem. Se vê completamente perdida quando o vê indo embora, deixando vazio o lar que construíram juntos. Dalva é a mulher dependente do amor. E implora para que ele volte, dessa vez sem o ciúme que tanto os marcou. É um apelo para que seu amor não a deixe. Que será? Da minha vida sem o seu amor...


10- Orgulho:

Com a alma partida de dor, Ângela Maria entoa com emoção os versos cruéis da canção que fala sobre a despedida, o fim, a desistência. Fala a um Deus que sabe quem errou, fala a um homem que foi realidade feliz e agora se transforma em triste lembrança. Fala de um amor escondido. Um amor escondido pelo orgulho, pelas desilusões, os maus tratos. Um amor que agora mais parece um trapo, mas ainda está ali, por trás da taça de fel, mantendo mesmo que aos trancos e barrancos, seus finos tecidos de cetim que o rancor aos poucos escondeu. É um apelo à saudade, pedindo que ela nunca mais regresse.


11- Vontade de chorar:
Com vontade de chorar, Clara Nunes faz um apelo à dor e às canções de amor para que elas não cruzem mais o seu caminho. Faz um apelo às folhas que o vento soprou e às recordações, para que da próxima vez digam adeus antes de irem embora. Clara Nunes reclama da má educação do amor, com essa mania de ir sempre embora sem aviso, deixando apenas um coração que chora nos versos tristes da canção. Deixando apenas uma voz e um olhar repletos do que não mais restou, do que sempre acaba. É um apelo para que o amor mude de hábitos, e deixe de ser tão fugaz.


12- Ai, ioiô (Linda flor) :
“Eu nasci pra sofrer”, é assim que a moça simples da canção começa a cantar a música que apela à seu homem que tenha pena dela, que a leve para casa e não a deixe nunca mais. É um gesto singelo que revela toda a necessidade daquele amor, daquele homem que a deixa protegida, segura. Que ele segure suas mãos e não as solte nunca mais, como aquele beijo de amor não se soltará nunca mais de sua boca. É um apelo à eternidade, para que aquele momento dure mais que a beleza da linda flor. Mais que os carinhos de seu ioiô.


13- Ocultei:

“Ocultei” conta a história da mulher abandonada, largada, trocada por outra. A mulher que se vê posta de lado, desprezada, e que relembra com angústia e decepção o passado feliz que viveu. O passado que se transformou em desejo de vingança e agressão. É um apelo para que seu antigo amor pague por todo mal que lhe fez, provando do beijo o seu gosto de morte, o veneno que lançou contra ela e definiu sua sorte. É um apelo para que ela não seja a única a sofrer nessa história, que seu amor pereça, pois já não quer mais seu bem.


14- Pra quê mentir? / Dom de iludir:

Caetano Veloso se traveste de mulher para responder ao samba lamentoso de Noel Rosa. É a mulher que se defende das acusações do homem e apela à ele que respeite sua condição, sua dor e sua delícia. Apela a ele para que a deixe em paz, não mais a olhe, não a procure, não fale com ela, cale a boca e siga o seu caminho, pois ela fará o mesmo. É a mulher que pede ao homem que ele deixe a verdade fria das palavras e encare a mentira quente e contundente da vida. A mentira que norteou todo o amor entre os dois e que agora os separa de vez. É a mulher que apela ao homem para que ele a entenda. Entenda seus motivos mais loucos e não a julgue. Pra quê mentir? Se tu ainda não tens esse dom de saber iludir...



15- Menino sem juízo:
No jogo de sedução estabelecido na música “Menino sem juízo”, ouvimos os apelos da mulher que ama, a mulher que sempre amará. É o apelo da mulher que já desenvolveu um gosto pela dor de cotovelo, pelo conflito, pela dominação. É a mulher que parece gostar de sofrer, parece acreditar que o amor só chegará depois do sofrimento. Enquanto seu homem se perde pelas esquinas da vida, ela convive sozinha com sua dor, esperando o momento de ser feliz novamente. É a mulher que tenta fugir dessa teia de amores e despedidas que se entrelaçam mas não consegue, pois sempre que seu homem volta ela abre seus braços e o recebe. É a mulher que não agüenta viver longe do seu amor, mesmo que ele esteja perto só por uns instantes. É um apelo ao momento de amor, ao menino sem juízo que a deixa sem chão.


16- Na batucada da vida:

“Na batucada da vida”, mais um dentre os muitos sucessos de Ary Barroso, é o depoimento da mulher que passa pelo amor e pelo sofrimento, pelo silêncio e pela batucada, e que no fim só quer ser ouvida. Apela a quem puder ouvir que a ouça, pois ela seguirá sempre cantando, na orgia e na pancadaria, bebendo cachaça e passando por batismos de fumaça, desprezada e quem sabe até um dia, amada. “Na batucada da vida” é a mulher falando, cantando, pedindo que lhe dêem ouvidos, pois ela seguirá em frente, independente de qual seja seu destino. É um apelo à vida!


Raphael Vidigal Aroeira

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