domingo, 27 de março de 2011




Um balanço ritmado por cuíca e guitarra. Nos embalos de sábado à noite e nas manhãs de carnaval nasceu na periferia de São Paulo uma dança trazida ao gosto popular por Jorge Ben, garoto do Beco das Garrafas que na metade da década de 60 mostrou ao mundo seu “sacundin sacunden”. Virou samba-rock a adesão de batidas elétricas a temas acústicos e universos distintos, como a bossa de João Gilberto e o canto falado do blues, a partir de histórias simples cantadas com entusiasmo. De uma vertente criou asas a pilantragem de Carlos Imperial e Wilson Simonal. A ala soul teve liderança de Tim Maia, Cassiano, Hyldon, e mais tarde, Sandra de Sá. Completava o time, seguidores fiéis que acompanhavam o ritmo, como o Trio Mocotó (formado por Nereu Gargalo, Fritz Escovão e João Parayba), Branca di Neve e Bebeto, além de eventuais flertes com artistas de searas amplas, como os tropicalistas da banda Mutantes, que em 1968, gravaram A Minha Menina, sucesso instantâneo de autoria de Jorge Bem Jor, o pai que sem assumir a cria (jamais aceitou o termo samba-rock) viu os frutos espalharem-se na música brasileira.



Mas, que nada

“Mas, que nada”, foi lançado num compacto simples de 1963, o primeiro de Jorge Ben, e dava o gosto da mistura que o artista iria experimentar, através dos versos “esse samba que é feito de maracatu, samba de preto velho, samba de preto tu...”

Cadê, Teresa?

A batida inventada por Jorge Benjor atingiu seu auge num dos melhores e mais populares álbuns de sua carreira. Lançado em 1969, o disco em que era acompanhado pelo Trio Mocotó trouxe vários sucessos, entre eles “Cadê, Teresa?”, música que traça uma história de amor tendo como pano de fundo o samba do morro. “Cadê, Teresa? Onde anda minha Teresa? Teresa foi no samba lá no morro e não me avisou, será que arrumou outro crioulo, pois ainda não voltou...”



País Tropical

“País Tropical” fez um sucesso tão grande que tornou-se prefixo musical do Brasil no mundo. Exaltando as belezas de sua terra, ao modo de Ary Barroso, Jorge Ben fez uso de sua vasta gama de influências para criar essa pepita do cancioneiro brasileiro. A idéia de não pronunciar a segunda parte das palavras no decorrer da música marcou mais uma vez a criatividade do artista. Wilson Simonal foi um dos que a regravou com maior êxito comercial.

Charles, anjo 45

“Charles, anjo 45” denota a clara influência do blues americano no modo de contar uma história musical, falando as palavras. Na letra, Jorge Ben enaltece as qualidades de um morador do morro que acabou preso, mas que voltará para rever os amigos, saudosos de seu “Robin Hood...rei da malandragem, protetor dos fracos e oprimidos”. O tom de tristeza e indignação é ressaltado também na gravação de Caetano Veloso.



Fio Maravilha

“Fio Maravilha” ganhou o Festival da Canção da TV Globo em 1972. A música composta por Jorge Ben foi interpretada pela folclórica Maria Alcina. Outro personagem folclórico, o atacante João Batista de Sales, do Flamengo, time de coração do músico, era que dava nome ao sucesso. Ao contrário do que se esperava Fio não gostou da homenagem, e processou Jorge Ben, que teve que passar a cantar “Filho” no lugar do verdadeiro apelido. Anos depois, em 2007, Fio voltou atrás e concedeu para Jorge Ben o direito de cantar a música tal qual havia sido composta.



W/Brasil [Chama o Síndico]

Em 1989, Jorge Ben alterou o seu nome artístico para Jorge Benjor. Algumas especulações como a numerologia e a carreira internacional do artista, que não queria ser confundido com o músico norte-americano George Benson, foram levantadas. Certo é que no ano seguinte ele lançou uma música que seria estouro nas pistas de dança. “W/Brasil” fazia uma brincadeira com uma famosa agência de publicidade brasileira, e aproveitava a deixa para prestigiar o amigo Tim Maia, conhecido como “Síndico” da canção no Brasil.

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 27/03/2011.




Quando o Brasil começou a fazer música brasileira e deixou de apenas importar contribuições externas, Ernesto Nazareth estava lá, com seu piano e sua humildade. Fã declarado de Chopin, o músico se notabilizou por não negar a qualidade musical que emergia de fora, mas inserir a esse contexto o que havia de mais Brasil e mais buliçoso em termos de musicalidade erudita e popular; ao mesmo tempo; sem barreiras limitantes. Muitos foram contra e a favor seu espaço em ambas as categorias, mas sua música ultrapassava ao conquistar unanimemente ouvidos e corações de figuras tão acaloradas quanto detentoras de status para certificar o real caráter de Nazareth, “a verdadeira encarnação da alma musical brasileira” para Villa-Lobos, com quem tocou, “um virtuoso do piano”, segundo Mário de Andrade, “genial” para tantos.



Odeon

O menino Ernesto Nazareth teve com a mãe as primeiras lições de piano, instrumento que conferia luxo e glamour para quem o possuísse no Rio de Janeiro do século XIX. Após a morte prematura da primeira professora, Ernesto intensificou os estudos com profissionais da área e fez das teclas suas ferramentas de trabalho. Apresentando-se na sala de espera do tradicional cinema Odeon a partir de 1910, dedicou a ele o que ficou conhecido como um de seus mais famosos “tangos brasileiros”, uma mistura de suas influências populares como o choro e o maxixe, com o cancioneiro erudito. Letrada inicialmente por Ubaldo para Dircinha Batista cantar, a música recebeu nova poesia em 1968, de Vinicius de Moraes, para interpretação de Nara Leão.



Brejeiro

Embora aclamado pelos mais renomados entendedores da área, que aplaudiam a obra de Ernesto Nazareth justamente pelo enlaço popular que ele produzia à sua técnica erudita, o próprio compositor não se orgulhava de tal feita. Insistia em rechaçar a influência do maxixe, considerada música pecaminosa à época, e em tocar composições do mestre Chopin em detrimento das suas, quando podia. Há inclusive relatos de que o pianista saíra chorando de uma apresentação de Guiomar Novaes, lamentando-se por não ter estudado na Europa. Seja como for, por querer ou não, ele produziu no ano de 1893 outra peça estupenda de seu largo repertório, também denominado “tango-brasileiro”, Brejeiro.



Ameno Resedá

Outro gênero bastante acolhido por Ernesto Nazareth foram as polcas. Delas compôs uma estimada quantidade para a música brasileira. A vigésima sexta recebeu o nome de “Ameno Resedá”, escrita em 1912 em alusão ao mais famoso rancho carnavalesco da cidade do Rio de Janeiro, cidade da qual o pianista apenas se ausentou para receber emocionantes consagrações em São Paulo e apresentar-se no Rio Grande do Sul e Montevidéu, no Uruguai.

Apanhei-te cavaquinho

Inicialmente designada como polca, “Apanhei-te cavaquinho” ganhou letra famosa de Darci de Oliveira e interpretação virtuosa da “Rainha do Choro”, Ademilde Fonseca, recebendo então, a nova designação. Tal feito ocorreu em 1943, tendo sido antes composta no longínquo 1915. A quantidade de regravações e exaltações feitas à referida música exemplificam o valor irrevogável da obra de Ernesto Nazareth.



Bambino

Ernesto Nazareth começou a ter problemas de audição quando caiu de uma árvore, ainda criança. Desde então, eles passaram a acompanhá-lo tal qual o piano. Diagnosticado com sífilis em estado avançado e já praticamente surdo, teve que ser internado na colônia Juliano Moreira, dedicada a pessoas com certo grau de loucura. Não foram raras as vezes em que fugiu e foi encontrado tocando compulsivamente um piano. Até que não mais voltou e faleceu nas águas de uma represa, dizem, em posição de criar mais uma das obras clássicas brasileiras, a exemplo de “Bambino”, o tango brasileiro que recebeu em 1913 letra de Catulo da Paixão Cearense, e mais recentemente, no ano de 2002, novos versos de José Miguel Wisnik, e a interpretação arrebatadora de Elza Soares.



Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 27/03/2011.

segunda-feira, 21 de março de 2011




Artista de circo é difícil de achar. Artista espontâneo, que não toca instrumento e sabe rimar letra com melodia. Artista que faz arte até de dentadura, e é desenhista de mão cheia, embora os bolsos permaneçam vazios. Artista de circo desequilibra na corda bamba, como quem disfarça estar em perfeito estado de alegria, acostumado com tristezas natalinas. Assis Valente teve coração de artista e na Praia do Russel morreu em público. O povo cantou sua travessia: “Brasil Pandeiro”, “Uva de Caminhão”, “Fez bobagem”, “Camisa listrada”, provam a eternidade do artista de circo.

Boas Festas

A canção natalina de maior sucesso nacional em todos os tempos é a triste constatação da solidão feita por um melancólico Assis Valente. Nascido no interior da Bahia, o compositor morava no Rio de Janeiro no Natal de 1932 quando teve inspiração para compor a música. Gravada um ano depois por Carlos Galhardo, com acompanhamento da Orquestra Diabos do Céu, regida e arranjada por Pixinguinha, faria sucesso inúmeras vezes nas vozes de Maria Bethânia, Roberto Carlos, Luiz Melodia e mais recentemente o grupo mineiro Pato Fu. Em versos, Assis Valente declara seu pedido não atendido por Papai Noel, pois para ele a “felicidade é brinquedo que não tem”.



Cai, cai balão

As festas juninas brasileiras também tiveram a intervenção pontual de Assis Valente. Para a comemoração do mês de frio ele compôs a suave marcha “Cai, cai balão”, lançada por Francisco Alves e Aurora Miranda no ano de 1933. Os versos lançam enredo de uma sagaz sabedoria popular: “quem sobe muito, cai depressa sem sentir”, e expressam um teor implícito na personalidade de Assis: a desconfiança das glórias, que segundo o próprio, numa explicação a Ary Barroso de uma das tentativas de suicídio, não “resgatam letras”.



Maria Boa

O primeiro sucesso de Assis Valente registrado por um grupo vocal foi o samba “Maria Boa”. Lançado pelo “Bando da Lua” no carnaval de 1935 ele acompanhou os foliões com a mesma alegria que o grupo iria acompanhar Carmen Miranda, musa inspiradora para quem Assis dedicou vários versos posteriores. A letra esbanja a sorte do autor de ter se encontrado com a Maria do título, que segundo ele, não ia “com a cara do homem quem tem a falinha macia”. Em 2001, Ney Matogrosso a regravou no álbum “Batuque”.



Camisa listrada

A camisa presente nas passarelas de rua do carnaval de 1938 foi a listrada de Assis Valente. Nela é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão. A música retrata o descompasso do amor entre a mulher que sofre em vão e o homem que vai à folia do carnaval. É um apelo que a mulher faz para que seu homem não se fantasie.



...E o mundo não se acabou

Depois do estouro de “Camisa listrada”, Carmen Miranda gravou outra jóia do repertório de Assis Valente, no mesmo ano de 1938. “E o mundo não se acabou” é um samba-choro que brinca com a possibilidade milenar do fim do mundo. Alardeado por boatos de nova guerra mundial e coalizão de cometas contra a Terra, o caso virou gostosa música que premeditava o arrependimento daqueles que acreditavam no fim, caso a confirmação não viesse: “beijei a boca de quem não devia, peguei na mão de quem não conhecia, e o tal do mundo não se acabou”.

Uva de caminhão

A vida de Assis Valente foi cercada de polêmicas e contradições. Muitos especulam sobre provável homossexualidade reprimida e gastos com amantes que o levaram ao endividamento, inclusive pessoas próximas, como a cantora Marlene que gravou o primeiro LP só com músicas de Assis, e seus biógrafos Francisco Nunes Silva e Dulcinéa Nunes Gomes. Uma das músicas de seu repertório que desperta interpretações controversas é o samba-revista “Uva de caminhão”. Segundo o jornalista Moacyr Andrade, a iminente ingenuidade da recitação de sucessos carnavalescos como “Florisbela”, “Flauta de Bambu”, “Pirulito” e “A Pensão da Dona Estela”, escondem a intenção do autor de falar sobre gravidez e aborto. Já para o pesquisador musical Rodrigo Faour, a música explicita a confirmação dos desejos homossexuais do compositor. Lançada mais uma vez por Carmen Miranda, “Uva de Caminhão” foi o último sucesso da dupla antes da Pequena Notável embarcar para os Estados Unidos, em 1939.



Recenseamento

A última música de Assis Valente gravada por Carmen Miranda foi o samba “Recenseamento”, em 1940. Nele a história verídica do censo geral determinado por Getúlio Vargas servia de mote para a crônica sentimental do compositor, que aproveitava o tema para dar o seu pitaco irreverente sobre a medida. E a favela, que já lhe prestara homenagens com o morro de Mangueira a cantar suas músicas, era o plano de fundo ideal, na voz da moradora que listava seus bens: céu azul, Pão de Açúcar sem farelo, e outros.

Brasil Pandeiro

Acarajé, cuscuz e abará, todos esses pratos preparados com o molho da baiana, fazem com que o Tio Sam do samba de Assis Valente não resista ao sabor da comida e do samba brasileiro. Composto em 1941, “Brasil Pandeiro” dedica seus versos a cantar as delícias do Brasil, como seu samba, seu terreiro, sua gente bronzeada e sua rica culinária, que desperta até o interesse dos distantes norte-americanos. A música havia sido feita para Carmen Miranda, espécie de amor platônico de Assis Valente, que acabou recusando, supostamente por possuir versos que exaltavam a ela própria. Por conta disso, foi lançada pelos “Anjos do Inferno”, grupo vocal que emplacaria diversos êxitos da lavra do compositor, e mais tarde renovada na interpretação dos “Novos Baianos”, em 1972.



Fez bobagem

Um mês depois do lançamento de “Brasil Pandeiro”, Assis Valente atirou-se do Corcovado e ficou preso em uma árvore, o que salvou sua vida do suicídio. Naquele mesmo ano, em janeiro, havia nascido sua única filha, Nara, fruto do casamento com Nadyle da Silva, 15 anos mais nova. O casamento não durou muito tempo, ao contrário da relação com a filha, que teve o nome tatuado no corpo do pai, na época considerada uma subversão. Os desentendimentos amorosos foram mais uma vez retratados em música por Assis, no ano de 1942, em samba intitulado “Fez bobagem”, lançado por Aracy de Almeida. A letra escancarava o desacordo de um enciumado triângulo amoroso, e recebeu versões de Elza Soares, Teresa Cristina e Caetano Veloso. A dor trazida por Assis era dedilhada em versos: “dá vontade de chorar, e de morrer”.



Boneca de pano

O derradeiro sucesso popular de Assis Valente foi o samba “Boneca de pano”, gravado pelos “Quatro Ases e um Coringa”, em 1950. Ele que estava acostumado a portar sempre foto e caneta para distribuir autógrafos já não convivia com o sucesso de perto, devido à época que se abria para a bossa nova na canção brasileira. A música trazia o relato de uma vivência de Assis, como era por costume em suas letras, o encontro com uma moça da Lapa que tivera trágico final. Como viria a acontecer com o próprio autor, que deixou órfã de seu talento a arte brasileira de inventar melodias e versos, por decisão própria, diante do espanto admirado daqueles que presenciaram sua essência musical. 100 anos depois de seu nascimento, foi-se o espanto, permanece a admiração.



Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 20/03/2011.

domingo, 13 de março de 2011




Carmen Miranda seguiu seu cortejo final ao som de música. A música escrita por Synval Silva, o motorista que conferiu sucessos inestimáveis para os quais a Pequena Notável foi eternamente grata. Muito mais do que os contos de réis que ela pagava para Synval, sua real recompensa foi o nome gravado com pérolas na música brasileira. “Adeus, adeus, meu pandeiro de samba, tamborim de bamba, já é de madrugada...” é o tom da despedida que saúda os 100 anos do compositor mineiro entronizado carioca, com anel de samba, cidadão legítimo do ritmo dessa gente bamba.

Adeus, batucada

Carmen Miranda prolonga chorosamente as frases do samba de 1935, composto por Synval Silva. Apresentado à cantora através do amigo Assis Valente, Synval compôs “Adeus, batucada” como uma espécie de tributo à farra que ele desde criança aprendeu a adorar, e agora passa adiante para que outros passem a admirá-la: “E do meu grande amor sempre eu me despedi sambando...” poetiza o compositor perene; compõe o poeta latente.



Coração

Antes de “Adeus, batucada”, Synval Silva já havia dado a Carmen um grande sucesso. O samba “Coração”, também de 1935, trazia nos versos finais o prenúncio da poesia que ele iria praticar: “esperando no mar desta vida, embarcação à procura, de um porto feliz de salvação...”. O coração de Carmen foi facilmente conquistado pelas notas melódicas do compositor.

Ao voltar do samba

As primeiras composições de Synval Silva encomendadas por Carmen Miranda foram “Alvorada” e “Ao voltar do samba”, ambas em 1934. A segunda impressionava pela tom magoado que marcava o ritmo das falas da sambista vencedora do arlequim de bronze. O motivo é o amor desfeito com um mulato que agora lhe dá prazer ao chorar em público: “chora mulato, meu prazer é de te ver sofrer, para saber quanto eu te amei e quanto eu sofri para te esquecer”.



Gente bamba

“Gente bamba” é uma proclamação do samba, do sapateado, da cuíca e do morro da Formiga, entre outras riquezas brasileiras que Synval Silva presencia. Nessa música de 1937 o compositor homenageia o morro onde criou residência e todas as outras virtudes do modo de viver brasileiro. Salve, salve a alegria. Salve, salve Synval Silva!

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 13/03/2011.

quarta-feira, 9 de março de 2011



Hoje é carnaval.
Amanhã já é carnaval.
Não porque esteja próxima uma quarta-feira de cinzas.
Nem porque virou farra o som de buzinas.
Mas porque carnaval está além de data no calendário.
É a heróica alegria da bagunça e da patuscada.
De se fantasiar e mascarar e perceber o desarrumado cenário belo de fantasias, máscaras e perdidas ilusões brilhantes.
No carnaval, face desordeira da humanidade.
Face divertida, bem resolvida, com muito alarde.
Se tudo arrumado perde contato com a superfície mais fina de uma mera alegria, não deixe de brincar no carnaval.

“Anda Luzia, pega o pandeiro, vem pro carnaval
Anda Luzia, que essa tristeza lhe faz muito mal
Apronta a tua fantasia
Alegra teu olhar profundo
A vida dura só um dia, Luzia
E não se leva nada desse mundo”


Eu quero é botar meu bloco na rua

Com sua loucura lúcida, como disse Lygia Fagundes Telles de Caio Fernando Abreu, Sérgio Sampaio criou uma das mais emblemáticas canções de carnaval de todos os tempos. Em meio à ditadura militar que se instaurara no Brasil, o compositor baiano, tido por muitos como maldito, dá uma aura lamentosa à festa popular mais famosa do país, ao entoar versos confessionais em tom melancólico, emendando logo na sequência o refrão esperançoso que garantiu o sucesso da canção: “Eu quero é botar meu bloco na rua, brincar, botar pra gemer...”. Além do conteúdo sexual abordado no refrão há também referências ao uso de drogas, tudo feito com muito deboche, misturando lamento e alegria e dando seu aval definitivo à festa máxima brasileira: o carnaval.


Camisa listrada

Uma camisa presente nas passarelas de rua do carnaval foi a listrada de Assis Valente. Nela é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão. A música retrata o descompasso do amor entre a mulher que sofre em vão e o homem que vai à folia do carnaval. É um apelo que a mulher faz para que seu homem não se fantasie.


Balzaquiana

A gíria criada por Nássara para denominar as “mulheres depois dos trinta anos” foi tirada de um conhecido romance de Honoré de Balzac. Fazendo uso de sua conhecida perspicácia, Nássara percebeu ponto aberto para brincar com divertida preferência amorosa. Seminal grão da celebrada parceria entre ele e Wilson Batista, a marcha ecoou na voz do iniciante Jorge Goulart em 1950, e garantiu ao cantor seu primeiro sucesso. Dali em diante, Jorge se tornaria especialista em canções do gênero e gravaria novos sucessos da recém-formada dupla. A música alcançou tal proporção que foi traduzida pelo radialista e adido cultural da embaixada francesa no Brasil, Michel Simon. No país de origem do autor que dá nome ao título, a canção pôde ser ouvida em comemoração ao centenário do seu nascimento. Hoje, a versão francesa encontra-se na “Casa de Balzac”, museu que guarda as memórias do escritor francês.

Onde estão os tamborins?

O sumiço do sambista Cartola, fundador da Estação Primeira de Mangueira, deixou a escola quieta e sem o brilho verde e rosa que costumava ofuscar as outras. Foi essa fase pouco inspirada que levou o compositor Pedro Caetano a reclamar publicamente, em forma de samba lançado no carnaval de 1947 pelo conjunto vocal Quatro Ases e um Coringa, com grande sucesso de público que cantou na avenida: “Mangueira, onde é que estão os tamborins, ô nêga?”


Alô...Alô...?

Com vestimentas exóticas e coloridas e uma voz potente e grave, Maria Alcina sempre foi uma das artistas mais controversas do país, tendo sido censurada na época da ditadura e sumido definitivamente do imaginário do grande público devido ao episódio. “Alô...Alô...?”, de André Filho, foi gravada originalmente por Carmen Miranda e o Bando da Lua em 1941, e regravada por Alcina em seu disco de estréia em 1973. Alcina é uma das cantoras que mais regravou e se aproximou do estilo alegre e espontâneo da portuguesa enraizada brasileira e se tornou um ícone carnavalesco nacional, pois mesmo maldita, representa o carnaval na essência. Uma artista que foi perseguida e sofreu preconceitos e, no entanto , jamais abandonou a ousadia e a alegria, continuando a desfilar com plumas e paetês, confetes e serpentinas pelas passarelas do carnaval no qual ela transforma a vida.


Yes, nós temos bananas

João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, reafirmam seu orgulho do Brasil ao cantarem os versos da música: “Yes, nós temos bananas!”. A marchinha feita pelos dois em 1938 foi um dos grandes sucessos do carnaval daquele ano e trazia uma crítica bem humorada aos norte-americanos que insistiam em chamar os países da América Latina de “república das bananas”. Exaltando as qualidades da fruta que se tornou brasileira e ainda brincando com as exportações de café, algodão e chá mate, Braguinha e Alberto Ribeiro encerram a canção com os divertidos versos: “bananas para quem quiser!”


Florisbela

A favorita para levar o concurso de carnaval do Rio de Janeiro em 1939 era “A Jardineira”, de Benedito Lacerda e Humberto Porto e lançada por Orlando Silva. Mas a vencedora foi “Florisbela”, de Nássara e Frazão, na voz do seresteiro Silvio Caldas. No mesmo ano, as duas músicas foram citadas na obra-prima de Ary Barroso “Camisa Amarela”, que também trazia em sua letra o tema carnavalesco. Apesar disso, Nássara reclamava que a composição sobre as paqueras de um casal fosse pouco regravada.

É com esse que eu vou

“É com esse que eu vou” conclama o espírito carnavalesco a pisar na avenida sem menores distinções de raça ou classe. O importante é ir no embalo do samba que alegra o carnaval brasileiro. Uma festa que começou no caderninho de Pedro Caetano durante uma viagem de trem de Vitória para Belo Horizonte, passou pelas vozes dos Quatro Ases e um Coringa e chegou até Elis Regina, regravando-a 25 anos depois de lançada em 1948.


Máscara Negra

Máscara negra foi o grande sucesso do carnaval de 1967. A marcha composta por Zé Kéti se tornaria uma das grandes músicas cantadas por Dalva de Oliveira, e um dos últimos êxitos populares de ambos. Vencedora do carnaval daquele ano, a canção contava a antiga história dos laços amorosos entre Pierrôt, Colombina e Arlequim. A diferença é que nos versos de Zé Kéti a história ganhava contornos líricos e suaves, aproveitando-se do grande talento do compositor. Além disso, Zé Kéti corrigia um erro histórico e dava nova chance a Pierrôt, fazendo com que Arlequim fosse o rejeitado dessa vez. Máscara negra é uma das mais belas músicas de carnaval já escritas, provando toda a essência poética do trabalho de Zé Kéti, que jamais mascarou os problemas do seu povo, mas também não deixou de iluminá-los com seus sambas e suas atuações.


Lata d’água

“É a maior!” gritam os enunciados e admiradores da cantora que se apresenta no programa de Manoel Barcellos. E de fato, ela faz jus à exaltação. Marlene veio ao mundo Vitória e pisou na passarela de notas e versos já com a inspiração da atriz alemã que lhe emprestou o nome artístico. Caminhou sempre com nitidez de passos e o espetáculo que concede desde o início tornou-se sinônimo de autenticidade. Marlene tem no cantar uma marca que é só sua, própria, e inalcançável. E é com essa força da personalidade que ela dá vida à Maria do morro de Luis Antônio e Jota Júnior, no carnaval de 1952 que está gravado na batalha diária, sob o clamor que anuncia Marlene: “Lata d’água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Maria, sobe o morro não se cansa, pela mão leva a criança, lá vai Maria”


Mundo de zinco

Crescido em ambiente carnavalesco, Nássara ajudou a organizar em 1932 o primeiro concurso de escolas de samba do Rio de Janeiro. Frequentador do “Ponto de Cém Reis” e do “Café Nice”, locais de encontro da boêmia, em 1952 ele compôs ao lado de Wilson Batista, um samba para Mangueira, escola que contava com sua torcida. Visualisando a história do morro, os versos finais da música são em tom de despedida e deixam clara a intenção dos compositores de exaltarem o que admiram: a glória do samba, o céu de Mangueira, os malandros e as cabrochas. Interpretada por Jorge Goulart, foi premiada como samba mais bonito do carnaval carioca daquele ano. De acordo com o jornal “Última Hora” da época, possuidora de “letra inspirada, bonita e ao mesmo tempo fácil de ser apanhada pelo povo; sua música é melódica, mesmo nas estridências necessárias do apito de trem, harmonizando-se em ritmo essencialmente vivo e vibrátil.”


Aurora

Antes de Amélia, houve na vida de Mário Lago uma outra mulher. Sorte que ela não fosse sincera, pois inspirou-lhe belas alfinetadas na sabida moça. Carmen Miranda alçou ao sucesso as qualidades de Aurora, que foi pela primeira vez cantada pela dupla Joel e Gaúcho. No carnaval de 1941, a marchinha de Roberto Roberti e Mário Lago alcançou glórias em terras brasileiras, inglesas e americanas, tornando-se inclusive, tema de filme estrangeiro.


Bloco do Prazer

O compositor Fausto Nilo conheceu os integrantes do “Pessoal do Ceará” ainda na década de 70, e desde então passou a ser gravado por cantores como Fagner e Belchior, e mais tarde, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Geraldo Azevedo, e outros. No ano de 1979, o “Trio Elétrico Dodô e Osmar”, banda criada pelos inventores do Trio Elétrico na Bahia, lançou no carnaval a música “Bloco do Prazer”, parceria de Nilo com o novo baiano Moraes Moreira. O frevo, em ritmo acelerado, é uma conclamação desenfreada à alegria e à festa. Gravada por Nara Leão em 1981, tornou-se sucesso nacional na voz de Gal Costa, um ano depois. Era apenas o início do desfile daquele cearense de Quixeramobim.


Praça Onze

Em 1941, quando ficou sabendo da intenção da prefeitura de demolir a Praça Onze, abrigo dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, Otelo indignou-se e escreveu versos românticos e tristonhos sobre o fato. Então levou a letra para músicos como Wilson Batista, Max Bulhões e Herivelto Martins, a fim de que a musicassem. Nenhum deles se interessou muito, mas o azar de Herivelto era que esse o via todo dia, pois os dois trocavam-se juntos no Cassino da Urca. Herivelto dizia que não cabia samba naquela letra, pois o que Otelo tinha escrito era um romance, com versos do quilate de “Oh Praça Onze, tu vais desaparecer”. Eis que devido à insistência diária do noviço compositor, Herivelto irritou-se e começou a cantar de improviso versos sambados, dizendo para o humorista: “O que você quer dizer é isso: vão acabar com a Praça Onze, não vai haver mais escola de samba, não vai...”, Otelo empolgou-se e começou a escrever ali mesmo os outros versos da canção, enquanto Herivelto tocava a melodia no violão. Quando ficou pronta, a música foi gravada pelo Trio de Ouro com a companhia de Castro Barbosa, e trouxe na execução uma novidade inventada por Herivelto e que fez grande sucesso entre os foliões, o uso do apito para dar ritmo. Todos que sentiam a perda da Praça cantaram e dançaram na avenida a música que dividiu o prêmio de melhor samba do ano de 1942 ao lado da clássica “Ai que saudades da Amélia”, de Ataulfo Alves e Mário Lago. Grande Otelo ria como fazia rir, apesar da tristeza pela perda da praça, ele conseguiu o que queria.


Papai Adão

Blecaute colecionou muitos admiradores que adoravam seu jeito afável e de bem com a vida, esbanjando largo sorriso. Além disso, era conhecido também pela elegância, tanto dos passos como das vestimentas. A cronista Eneida dizia: “Olha que elegância de porte e que charme de sorriso.” Mas o traço mais marcante de Blecaute sem dúvida nenhuma era a espontânea simpatia, contida em sua maneira sinuosa de cantar ditados tão populares: “Papai Adão, Papai Adão já foi o tal, hoje é Eva quem manobra, e a culpada foi a cobra”. A divertida brincadeira sobre as relações conjugais é mais um exemplo da bem sucedida comunhão entre Blecaute e Klécius Caldas & Armando Cavalcanti.


Sereia de Copacabana

Filho de libaneses, o carioquíssimo Nássara iniciou sua carreira de compositor vencendo concursos em que participavam Lamartine Babo, Ary Barroso e seu vizinho de Vila Isabel, Noel Rosa. Consagrado através das marchas, Nássara proporciona animada disputa, dessa vez entre mulheres de vários países, mas seu coração acaba se decidindo pela sereia brasileira, em parceria sua com Wilson Batista. “Sereia de Copacabana” foi recebida pelo público através da voz encorpada de Jorge Goulart, no carnaval de 1951.

Jardineira, Pastorinhas, Máscara Negra & O teu cabelo não nega

Pode se estranhar que o mais famoso roqueiro brasileiro e a musa da Jovem Guarda estejam nessa lista, mas em 1979, quando gravaram juntos as marchinhas “Jardineira”, de Benedito Lacerda e Humberto Porto, “Mal me quer”, “Pastorinhas”, de Braguinha e Noel Rosa, “Máscara Negra”, de Zé Ketti e Pereira Matos e “O teu cabelo não nega”, de Lamartine Babo, nenhum dos dois estava mais no auge e nem representavam o primeiro time de cantores de marchinhas de carnaval daquele tempo nem de tempo nenhum. Esse dueto inusitado revela a invasão de dois ícones de gêneros completamente diferentes num dos mais fechados e protegidos patrimônios nacionais. Raul Seixas e Wanderléa cantando marchinhas tradicionalíssimas de carnaval são, portanto, dois marginais.


Prato fundo

Braguinha e Noel Rosa, dois dos maiores compositores da música brasileira, foram parceiros no grupo Bando de Tangarás e também em duas composições: “Pastorinhas”, que fez sucesso um ano após a morte de Noel, em 1938 e “Prato Fundo”, de 1933. Na música “Prato Fundo”, que acabou ficando pouco conhecida, os dois falam sobre os hábitos alimentares de uma família onde todos comem tanto que são precisos pratos fundos para agüentar tanta fome. Essa divertida marchinha foi lançada por Almirante, outro que participou do grupo Bando de Tangarás, e fala de comida do jeito que Noel Rosa e Braguinha melhor sabiam fazer: com inteligência e bom humor.


Alá lá ô

O folião Haroldo Lobo, apelidado de clarinete por sua voz agudíssima, era segundo o amigo Antônio Nássara: fabuloso. E tinha razão de ser. Criador de inúmeras marchinhas que se tornaram parte integrante da memória carnavalesca, ele pediu para o caricaturista completar uma despretensiosa composição do ano anterior. Como não podia deixar de ser, a música era em ritmo de festa e euforia e destacava versos que falavam de sol e caravan. Para isso, Nássara unificou uma divindade a um conhecido cartão postal africano, o deserto do Saara. Pronto, dali para Haroldo arrematar com o refrão entusiasmado foi um pulo: “Alá lá ôôô, mas que calor, ôôô...”. Faltava agora os arranjos e a orquestração, definidos com maestria e alta categoria por ninguém menos que Pixinguinha. Nas palavras de Nássara: "Pixinguinha tinha dividido a melodia em compassos marcantes, saltitantes, brejeiros, originais, vestindo-a com roupagem da alma popular. E eu tive uma sorte danada porque "Alá lá ô" ficou sendo uma das músicas mais tocadas no carnaval. Das que fiz, foi a única que me rendeu alguma coisa”. Embora tenha ficado conhecido como o Rei da Valsa, Carlos Galhardo era acima de tudo “O Cantor que dispensa adjetivos” e gravou com categoria sambas e marchinhas inesquecíveis de autores do quilate de Ataulfo Alves, Assis Valente, Hervé Cordovil, Braguinha, Haroldo Lobo e Nássara, inclusive a permanente Alá lá ô.


Formosa

Nássara era um encantador de formas. Mesmo antes das notas e dos versos ele já trabalhava em suas linhas melódicas. Em 1928, chegou à Escola Nacional de Belas Artes e começou a desenvolver os pilares de sua paixão. Lá, formou um conjunto musical com Barata Ribeiro, Manuelito Xavier, Jaci Rosas, Luís Barbosa, e J. Rui, que se tornaria seu parceiro na canção “Formosa”. Lançada por Luís Barbosa e gravada no carnaval de 1933 pela dupla Francisco Alves e Mário Reis, a marcha foi a primeira música de Nássara a estourar na boca do povo. Sob confetes e serpentinas não havia quem não cantasse os irresistíveis versos: “Foi Deus quem te fez formosa, formosa, ô formosa, porém este mundo te tornou presunçosa, presunçosa...”


General da Banda

Elegantemente trajando a farda que lhe foi ofertada, Blecaute se investe de alamares e dragonas para desfilar com alegria expressiva ao lado do Rei Momo, Rainha Moma, suas Princesas e Cidadão Samba. O ponto de macumba é sua criação refletida na fantasia que usa. Moldada por Sátiro de Melo, Tancredo Silva e José Alcides, começou a persegui-lo na rua. Até que ele foi certa noite em direção à batucada: “Chegou o General da Banda, ê! ê!, chegou o General da banda, ê! á!”. Em 1949, o pico de energia nas ruas chamava-se Blecaute.


Nós queremos uma valsa

Frazão foi sem dúvida o parceiro mais imponente de Nássara. Tanto no sobrenome sonoro, precedido por um extravagante Eratóstenes, como no que diz respeito ao número de sucessos. Entre todos eles, “Nós queremos uma valsa”, possui história das mais interessantes. A idéia criativa de lançar a música em pleno carnaval de1941 foi de Frazão, e trouxe alívio supressor à Morais Cardoso. Tudo porque o jornalista do periódico “A Noite” era simplesmente o primeiro Rei Momo do carnaval brasileiro, e como tal, cumpria o figurino de porções vantajosas em seu corpo portuário de cervejas. Os desfiles em ritmo de samba e marchas alucinantes deixavam seus pés enormes ainda mais inchados. Por isso, a novidade foi instituída de imediato pelo Rei Momo e tornou-se sucesso na voz de outro Rei, o da Valsa, Carlos Galhardo, também gravada ao acordeom por Luiz Gonzaga. Toques de clarim anunciam a entrada triunfante da música que saúda os patinadores.

Periquitinho verde

“Periquitinho Verde” é um desses casos onde Nássara faz uso de sua verve cômica e sua conhecida habilidade em incorporar frases famosas de outras canções. Nessa marcha de 1938 ele costura com bom humor os enlaces matrimoniais sob o ponto de vista da mulher, que diz que não atura “mamãe eu quero mamar”. Amigo do ventríloquo Batista Júnior, pai das irmãs Batista, Nássara teve a oportunidade de ouvir a menina Dircinha Batista cantar e definir que ela lançasse a música, uma de suas parcerias com seu professor de desenho Sá Róris, também compositor.


Maria Candelária

Grande Otelo era o inspetor de gafieira que exigia: “dança direito ou desce!”, no primeiro filme que Blecaute atuou, ainda como figurante, “Tristezas não pagam dívidas”. Depois, seguiu carreira bem sucedida no cinema, participando de 20 filmes, num deles, intitulado “Tudo Azul”, de Moacyr Fenelon, entoava a sátira “Maria Candelária”, calcada na conhecida fórmula de abuso por parte de algumas funcionárias públicas. Essas costumavam esperar ônibus no ponto que dá sobrenome à protagonista. Se bem que elas preferiam mesmo andar de pára-quedas, como sugerem Klécius Caldas e Armando Cavalcanti.


Pedreiro Waldemar

Blecaute elogiava sem disfarces o querido amigo Wilson Batista, “um mulato frajola, muito elegante, alegre, torcia pro Flamengo, por sinal, um garoto bacana à beça”. Foi ele, ao lado de Roberto Martins, o autor da marchinha de 1949 que elevou o garoto de Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo, ao primeiro trampolim na capital farrista. Durante a festa mais comemorada do ano havia unanimidade em saltitar a melodia espessa da dura vida do Pedreiro Waldemar, que “faz tanta casa e não tem casa pra morar, leva a marmita embrulhada no jornal, se tem almoço nem sempre tem jantar, (...) constrói o edifício e depois não pode entrar”. Você conhece?


Maria Escandalosa

O cantor Nuno Roland contracenou com Blecaute e Marlene no espetáculo Carnavália, encenado no Rio de Janeiro em 1968. Antes ele havia sido o responsável por apresentar o carnavalesco General à dupla Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, nos corredores da Rádio Nacional. Dessa confraternização caiu na folia a desinibida “Maria Escandalosa”, que em 1955 Blecaute cantava rindo e dançando com os braços, como era de costume, mais um sucesso.


Piada de Salão

As dificuldades de fala eram tiradas de letra por um descontraído Blecaute que saboreava a gagueira do personagem com irredutível euforia. Ele que havia sido engraxate e entregador de jornais depois de ficar órfão aos 6 anos e antes de realizar o sonho de cantoria, era especialista em vencer barreiras. E por isso mesmo dava tom especialmente delicioso à “Piada de Salão”, da dupla que o municiava, Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, no ano de 1954: “É ou não é, piada de salão, se acham que não é, então não conto não...”


Pirata da perna de pau

Braguinha nada tinha de pirata. Era um autêntico marujo do samba, que navegava com tranqüilidade por aquelas águas que ele bem conhecia, que ajudou a criar quando formou ao lado de Almirante, Henrique Brito e Alvinho, o conjunto Flor do Tempo, e depois com o adendo de Noel Rosa, com quem compôs a belíssima Pastorinhas, o Bando de Tangarás. Ao contrário do que dizia na marchinha, Braguinha também não tinha cara de mau. Pelo contrário, carregava na face uma expressão sempre alegre, tranqüila e serena. Como se todo dia fosse mais um dia de carnaval e como se toda expressão de vida merecesse uma marchinha.


Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 06/03/2011.

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