domingo, 28 de março de 2010




Carlos Alberto Ferreira Braga, o João de Barro, o inesquecível Braguinha nasceu no dia 29 de março de 1907, no Rio de Janeiro e completaria 103 anos de vida no dia de amanhã. Dono de um dos mais vastos e ricos repertórios da música brasileira, Braguinha jamais aprendeu a tocar um instrumento musical, compondo suas músicas através de uma das formas mais antigas que existem, e que desde criança se aprende, o assovio. Como se fosse um passarinho, um João de barro a construir sua casinha, Braguinha se embrenhava por entre os caminhos do carnaval, do samba-canção e da música infantil dando a medida exata ao chão e às paredes melódicas que construía. Tendo estudado arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, Braguinha logo se consagraria pela música, mas não abandonaria nunca a condição de arquiteto da melodia, sutilmente calculada em seus assovios que criavam personagens como a Chiquita Bacana, o Pirata da Perna de Pau, os heróis e vilões das histórias infantis e as traduções tão deliciosamente brasileiras que ele fazia para os desenhos da Disney.

“Eu sou o pirata da perna de pau
Do olho de vidro, da cara de mau”

Braguinha nada tinha de pirata. Era um autêntico marujo do samba, que navegava com tranqüilidade por aquelas águas que ele bem conhecia, que ajudou a criar quando formou ao lado de Almirante, Henrique Brito e Alvinho, o conjunto Flor do Tempo, e depois com o adendo de Noel Rosa, com quem compôs a belíssima Pastorinhas, o Bando de Tangarás. Ao contrário do que dizia na marchinha, Braguinha também não tinha cara de mau. Pelo contrário, carregava na face uma expressão sempre alegre, tranqüila e serena. Como se todo dia fosse mais um dia de carnaval e como se toda expressão de vida merecesse uma marchinha.

“Lourinha, lourinha
Dos olhos claros de cristal
Desta vez, em vez da moreninha
Serás a rainha do meu carnaval”

“Vem moreninha, vem tentação
Não andes assim tão sozinha
Que uma andorinha não faz verão”

Braguinha era um típico amante da vida. Amante das mulheres, das belezas naturais, das lourinhas, mulatas e chinesas. Era um amante do Brasil, e cultivava seu carinho pela terra como aquele passarinho que lhe deu o apelido cultiva sua casinha. Antecipando a bossa nova e o clima tropicalista que invadiria o país anos mais tarde, exaltava as belezas da praia de Copacabana e estufava o peito para dizer: Yes, nós temos bananas!

“Copacabana princesinha do mar
Pelas manhãs tu és a vida a cantar
E à tardinha o sol poente
Deixa sempre uma saudade na gente”

Braguinha era acima de tudo um compositor sensível, atento aos sentimentos e ás mudanças do ser humano, e compôs com o mestre Pixinguinha uma das mais belas e executadas músicas brasileiras de todos os tempos, gravada por nomes como Sílvio Caldas, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Dalva de Oliveira, Maria Bethânia, Radamés Gnattali, Tom Jobim, Baden Powell, Jacó do Bandolim, Hermeto Pascoal e o pioneiro Orlando Silva, a eterna “Carinhoso”.

“Ah, se tu soubesses como eu sou tão carinhoso
E muito, muito que eu te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim”

Compositor, cineasta, dublador, cantor, Braguinha trazia no apelido singelo e simples a expressão perfeita para sua alma de criança divertida e brincalhona.

“No balancê, balancê,
Quero dançar com você
Entra na roda, morena pra ver
O balancê, balancê”

“Vai, com jeito vai
Senão um dia
A casa cai”

Mesmo em canções que traziam versos um pouco mais reflexivos, nos quais explorava todo seu talento lírico, ao final Braguinha sempre optava pela alegria!

“Apronta a tua fantasia
Alegra teu olhar profundo
A vida dura só um dia, Luzia
E não se leva nada desse mundo”

No dia 24 de dezembro de 2006, véspera de Natal, Braguinha partiu aos 99 anos, para onde o céu é mais azul. E nos veio à memória “a saudade é dor pungente, morena, a saudade mata a gente, morena”. Mas a saudade que Braguinha deixou virá sempre acompanhada por seu canto singelo e festeiro.

“Canto para te ver mais contente
Pois a ventura dos outros
É a alegria da gente
Canto e sou feliz só assim
E agora peço que cantem
Um pouquinho para mim”

Cantemos então com Braguinha, o João de Barro, passarinho que voa alto na canção brasileira!

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 28/03/2010.

domingo, 21 de março de 2010




Elis Regina, a voz das Madalenas, Marias e Clarices.
A voz que brinca moleque o sonho de criança e ensina como nossos pais sobre as agruras do dia a dia.
A voz que dançou na bossa ao lado de Jair Rodrigues.
Durante seus 36 anos de vida, Elis Regina nos deu uma certeza.
A certeza de que no momento em que canta tudo é possível, desejado e permitido.

“Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos como nossos pais”

Elis é essa força que vem de dentro e explode na superfície, nos olhos fechados, no sorriso largo, nas sobrancelhas em pé que lhe conferem aquele ar desafiador, provocante e destemido.
Nas mãos que movem-se para o alto, procurando no espaço vazio a verdade torturante daquele momento, inquietas, intensas.
Tudo parece vibrar com sua voz.
Tudo pulsa, lateja, transborda em Elis Regina.

“A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias”

Elis Regina é essa vontade de cantar o mundo em todas as suas notas, acordes e versos.
E ela canta.
Com fé cega e faca amolada, compreende em seu canto todo o velho, o novo, o nada será como antes.
Compreende em sua voz todo o mundo.
Os bêbados, as equilibristas, as águas de março e as romarias.
Elis Regina é a vida no limite, a canção, a voz que ultrapassa limites.
Que alcança os tons mais distantes e os corações mais escondidos.
Sublinhando com tinta quente, que arde como pimentinha e varre como furacão, todos os contornos possíveis da melodia.
Ninguém é mais o que canta do que Elis Regina.

“Poema divino cheio de esplendor
Teu sorriso quente, inebria, entontece
És fascinação, amor”

Elis Regina canta, sempre canta, música e vida.

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 21/03/2010.

segunda-feira, 15 de março de 2010




O morro sempre teve melodia.
Sempre teve música entre seus caminhos.
Caminhos tortuosos, de subidas difíceis e perigosas descidas.
Mas caminhos que apesar das dificuldades sempre criaram bonitas canções.
Caminhos de Cartola, de Wilson Batista.
Caminhos de Carlos Cachaça, de Ismael Silva.
Caminhos dos bambas, dos passistas da escola de samba e da vida.
Das mulatas guerreiras que erguiam suas latas d’água na cabeça e seguiam em frente, em direção ao novo dia.
Canções que foram feitas para o céu, para Ave Maria, pras cabrochas de pé no chão.
Canções que nasciam de um simples batuque em cima de uma velha caixinha de fósforos.
Canções da alvorada, de sinfonias de pardais.
“alvorada lá no morro que beleza, ninguém chora, não há tristeza, ninguém sente dissabor.”
Morro do samba, do batuque, da cerveja.
Morro da malandragem, do violão, do pandeiro.
Morro da Mangueira, da Conceição.
“o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar”
Morro da saudade.
Eu sou do tempo que te respeitavam.
“eu sou do tempo que malandro não descia, mas a polícia no morro também não subia”
Você não existe mais meu morro, você não existe mais...
Parece que os santos te abandonaram.
Os anjos foram embora e o seu céu está pintado de sangue.
Mas eu não desisto, morro.
O morro agoniza, mas não morre.
Lá no fundo eu guardo a certeza, de que esse vermelho sangue que hoje te pinta, ainda há de transformar-se em fogo, e esse fogo queimará a ponta do cigarro do malandro, e esse fósforo que o acendeu, mesmo queimado, retornará à sua caixinha, pra que ela sirva de instrumento pro batuque do morro.
A canção do morro.
A melodia do morro.
“pois quem mora lá no morro já vive pertinho do céu”
E esse seu céu que hoje é vermelho, será azul de novo.

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 14/03/2010.

domingo, 7 de março de 2010




Ademilde Fonseca, a Rainha do Choro, da doce melodia, do amor sem preconceito.
Aquela cuja voz acompanha o ritmo e a velocidade que tem o mais sentimental de todos os sentimentos: o choro.
O choro é festa típica brasileira.
É confraternização alegre, em harmonia.
“é música clássica tocada com pé no chão, calo na mão e alma no céu”, disse o vocalista do conjunto MPB-4 , Aquiles Rique Reis, na mais perfeita de suas traduções.
Pois o choro remonta à mais antiga de todas as tradições brasileiras, de chorar cantando e cantar sorrindo.

“O brasileiro quando é de choro, é entusiasmado
Quando cai no samba, não fica abafado
E é um desacato quando chega no salão”

Não há emoção mais bonita e verdadeira que a do choro.
Talvez porque o choro seja a forma mais natural e humana de se demonstrar um sentimento, tanto na alegria quanto na tristeza.
O choro da vitória, da derrota, da perda, do nascimento.
Nada remete mais a um sentimento puro e instintivo.
O choro é brasileiro, é brasileirinho. O choro é pandeiro, flauta, violão de 7 cordas, violão, bandolim e cavaquinho.
O choro é a trama da vida, onde os papéis se invertem, coadjuvantes se tornam protagonistas e a incerteza é a maior de todas as certezas.
O choro cantado de Ademilde Fonseca traz o alívio confortante da lágrima que toca o lábio e molha o rosto.
Sua voz acompanha macia e graciosa a profusão de sons e sentimentos quentes que nos atacam sem direito à defesa.
O bater de asas de passarinhos, de urubus malandros, tico ticos no fubá atrevidos, pedacinhos do céu caindo.

“Ouvindo a flauta, o cavaquinho e o violão
Eu sinto que o meu coração
Tem a cadência de um pandeiro
Esqueço tudo e vou cantando o ano inteiro
Esse chorinho que é muito brasileiro!”

Ademilde Fonseca estende sua voz sobre o choro como o céu estende seu manto estrelado sobre a terra, com pleno domínio.
A voz de Ademilde completa os instrumentos do choro como a lágrima completa o desabafo, o amor, a tristeza e a redenção.

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 7/03/2010.

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