segunda-feira, 21 de junho de 2010




Quando aquele menino de cabeça achatada e ombros caídos fugiu de casa, no interior de Pernambuco, para servir ao Exército, ninguém imaginava que o que ele faria seria uma verdadeira revolução na música brasileira.
Talvez nem mesmo ele.
Mas aqueles ombros caídos haviam sido feitos na medida exata para se abrigar uma sanfona, e aquela cabeça achatada tinha sido especialmente escolhida para se usar sobre ela um chapéu de vaqueiro.
Mas não um chapéu de vaqueiro qualquer.
Era o chapéu de vaqueiro do Rei do Baião.
Em Luiz Gonzaga, aquele chapéu seria uma coroa, aquelas roupas típicas e nordestinas eram os trajes de um rei e aquela sanfona que ele empunhava com rara habilidade era um cetro enfeitado de ouro e pérolas, que por vezes transformava-se em cajado, tal era a beleza e a força com que ele a tocava.
Tal era a beleza e a força com que ele a oferecia a seu povo para animar suas festas juninas, seus xotes, seus santos, seu São João.



“Ai São João, São João do Carneirinho
Você é tão bonzinho
Fale com São José,
Fale lá com São José
Peça Prele me ajudar
Peça pra meu mio dá
20 espiga em cada pé”

Após ingressar no Exército, Luiz Gonzaga conheceu o sanfoneiro mineiro Dominguinhos Ambrósio, que lhe ensinou as músicas que faziam sucesso no Sul. No entanto, foi quando Gonzaga deu baixa no batalhão que ele iniciou sua revolução. Depois de experiências frustradas tocando em bares cariocas, o Rei do Baião conheceu o cearense Humberto Teixeira, e inventou com ele o ritmo que lhe daria a realeza. O ano era 1945, e Luiz Gonzaga tornava-se pai duas vezes. Assumia a paternidade do baião ao lado de Humberto Teixeira e a de Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, ao lado da dançarina e cantora Odaléia. Depois daquele momento, a música brasileira nunca mais seria a mesma. Pois ganhava ao mesmo tempo um novo ritmo e um novo músico que só trariam orgulho ao pai Gonzagão, que trazia sempre consigo sua terra, suas origens, a cultura do nordeste que ele carregava nos ombros, na cabeça achatada, nas roupas típicas e naquele balanço novo e contagiante que inventara.



“Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Foi numa noite, igual a esta
Que tu me deste o teu coração
O céu estava, assim em festa
Pois era noite de São João”

A vida de viajante desse revolucionário rei teve 76 anos de andanças e sucessos. Durante sua caminhada, aquele que também ficou conhecido como o “Embaixador Sonoro do Sertão”, passeou com sua sanfona por quase todo o Brasil e por Paris, recebeu disco de ouro e Prêmio Shell, além de várias homenagens em livros e discos. No entanto, quem mais distribuiu presentes e homenagens foi ele, sempre disposto a ajudar seu povo com seu coração imenso e caridoso. O que ele fez através da música e também de ações sociais, como a Fundação Vovô Januário, criada na década de 80 para ajudar as mulheres de Exu, sua terra natal. O Rei do Baião já enxergara desde cedo o poder de sua música que encantou e continua encantando. Não há comemoração junina em que não se lembre o nome de Luiz Gonzaga. Nem um bom forró, um bom xaxado e um bom baião. Aquele olho dourado, mesmo machucado, continua avistando à distância a Asa Branca do pássaro que canta perto da Lua.

“Ai, que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras nas fogueiras
Sob o luar do sertão”



Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 20/06/2010.

domingo, 13 de junho de 2010




Bandeirinhas coloridas dançam uma quadrilha ao sabor do vento e da canjica.
A noiva veste branco, o padre sua bata preta e o noivo está amarelo de tanto medo!
Ao redor deles, os convidados completam a festa com roupas de todas as cores.
As mulheres com seus vestidos de chita e Maria Chiquinha no cabelo.
Os homens de camisa xadrez, calça remendada com panos coloridos e chapéu de palha.
Aquelas que ainda não encontraram um noivo fazem simpatias para Santo Antônio.
Aqueles que já encontraram uma noiva pedem a chave dos céus para São Pedro.
E aqueles que não querem uma coisa nem outra pulam a fogueira de São João!



“Pula a fogueira Iaiá,
Pula a fogueira Ioiô
Cuidado para não se queimar
Olha que a fogueira já queimou o meu amor”

Olha os fogos de artifício para acordar São João.
Os balões no céu para oferecer aos 3 santos festeiros.
Todos nesse arraial dançam o “Anarriê!”
Com direito a quentão, cocada, pé de moleque e arroz doce.
E claro, não pode faltar a maçã do amor.
Não pode faltar também a sanfona, que escorrega na mão do sanfoneiro mais do que um pau de sebo.
Escorrega na mão do sanfoneiro no ritmo da cabrocha que roda o vestido, segura a saia e dança graciosa de pé no chão.
Enquanto seu par tira o chapéu, bate o pé e leva a cabrocha bonita no ritmo da sanfona, do cavaquinho, o triângulo, o pandeiro, a zabumba e o violão.
Olha a cobra! É mentira!
E lá vem o balão caindo!
E lá vem São João!



“Chegou a hora da fogueira
É noite de São João
O céu fica todo iluminado
Fica o céu todo estrelado
Pintadinho de balão”

Resta saber agora quem vai ficar sozinho e quem vai arranjar um par.
É dia dos namorados e Santo Antônio fica muito atarefado.
Por isso não custa nada pedir uma ajudinha aos outros santos!

“Implorei a São João
Desse ao menos um cartão
Que eu levava a Santo Antônio
São João ficou zangado
São João só dá cartão
Com direito a batizado”

E claro, muito cuidado para Pedro não levar a filha de João e deixar Antônio chorando!

“Com a filha de João
Antônio ia se Casar
Mas Pedro fugiu com a noiva
Na hora de ir pro altar”



É festa de Lamartine Babo, Braguinha, Haroldo Lobo, Assis Valente, Luiz Gonzaga e Marinês!
É festa do povo, da gente!
É o mês de junho e seu frio.
O calor da festa junina!
A criançada que solta bombinha rojão, explodindo em alegria!
Barraquinhas oferecem jogos: acerte a boca do palhaço, ganhe na pescaria!
Se proteja em volta da fogueira contra os maus espíritos.
Dance o forró, o xote, o baião, o arrasta-pé e o reizado!
Aproveite todas as delícias nordestinas!



“Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Foi numa noite, igual a esta
Que tu me deste o teu coração
O céu estava, assim em festa
Pois era noite de São João”

Quando o som da sanfona for aos poucos ficando mais baixo, as bandeirinhas forem se retirando e o fogo for lentamente recolhendo-se ao vento, ficará pregado nos ouvidos, barbantes e lenhas o cheiro do quentão, o gosto de canjica e as orações para os santos dançadas na forma de canção, de forró e de baião. Ficará pregado como melado no pau de sebo, como o frio que congela os dedos, o sabor da festa nordestina, a festa brasileira, nossa querida Festa Junina!

“Noite fria, tão fria de junho
Os balões para o céu, vão subindo
Entre as nuvens aos poucos, sumindo
Envoltos num tênue véu
Os balões devem ser, com certeza
As estrelas daqui deste mundo
Que as estrelas do espaço profundo
São os balões lá no céu”



Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 13/06/2010.

domingo, 6 de junho de 2010




A voz caudalosa de Maysa, aqueles “oceanos não pacíficos” em seus olhos. Foram 40 anos de intensidade, navegando por entre notas musicais e doses nunca calculadas de whisky e cigarros. A cantora das fossas homéricas e das dores de amores insuportáveis usou a melancolia para dizer ao mundo que estava viva. Embora tenha tentado o suicídio, a mulher forte de sentimentos frágeis explicava que foi este mundo, e não ela, que caiu. Maysa manteve-se sempre de pé. Enfrentou o marido que não a queria como cantora e a imprensa de boataria que insistia em julgá-la. Permitiu que todo tipo de sentimento a invadisse, e dentre eles, o que mais a perseguiu foi a tristeza.



“Bom dia tristeza
Que tarde tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você”

Possessiva, passional, generosa, Maysa cantava como se todas as canções de amor fossem dela, todas as dores do mundo fossem suas. As mesmas dores que dividia com o público em um misto de entrega e procura. Sempre acompanhada por aquele sorriso de lado, mordendo os lábios como que para agarrar toda a poesia, toda a música que estivesse ao seu alcance. Música que estava mergulhada nela mesma. Há no canto de Maysa uma urgência, uma necessidade. Maysa precisa cantar. E nós precisamos ouvi-la. Não se recusa um convite para ouvir Maysa.

“Todos acham que eu falo demais
E que eu ando bebendo demais
Que essa vida agitada
Não serve pra nada
Andar por aí
Bar em bar, bar em bar”



Tudo em Maysa, o talento, a beleza, a angústia, é demais. Sua voz ressoava densa através de seus olhos caudalosos e do oceano não pacífico que foi sua vida. Os olhos fixos na platéia e o nariz em pé eram apenas duas das muitas marcas de uma cantora cheia de conflitos que não conseguia ter paz. Uma compositora que escreveu sua história através dos graves e agudos de rubi que enfeitavam seu mar vermelho. Maysa é Maysa é Maysa...esta chama que não vai passar, mar vermelho no oceano azul da música brasileira.

“Grande amor que não posso e não quero esconder
Vou vivendo esta vida, curtindo essa dor
Eu só quero que um dia tu possas saber
O que é o amor”

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 06/06/2010.

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