domingo, 23 de maio de 2010




Não é nenhum exagero dizer que Silvio Caldas é o maior seresteiro que o Brasil já teve.
Dono de uma interpretação preciosa e de grande voz, que usava para esmerilhar a beleza de cada palavra da melodia, o Caboclinho Querido foi um dos cantores mais requisitados pelos maiores compositores de sua época, a exemplo de Ary Barroso e do poeta Orestes Barbosa, de quem, mesmo a contragosto, musicou inúmeros poemas, sendo o mais famoso deles: “Chão de Estrelas”.
A história dessa música começa em 1935, quando Silvio visitou o poeta Guilherme de Almeida e lhe mostrou os versos, até aquele momento intitulados “A Sonoridade que Acabou”. Ao final da apresentação, impressionado com as imagens das “estrelas no chão”, Guilherme sugeriu novo nome. E ali eram escritos e ensaiados um dos mais belos passos da música brasileira, agora com o título de “Chão de Estrelas”.
Anos depois, em uma crônica publicada em 1956, o poeta Manuel Bandeira definiu com precisão toda a força daquela poesia: Se se fizesse aqui um concurso para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes: “tu pisavas nos astros distraída...”
Versos esses imortalizados na voz sofisticada e galanteadora de Silvio Caldas, sempre ouvida, mesmo que dentro das almas, nas melhores serestas do país.

“Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões”

Silvio sempre foi, na verdade, um seresteiro por excelência, e a vontade de cantar veio desde os 5 anos, quando desfilava carregado nos ombros dos remadores do Clube de Regatas São Cristóvão, participando do bloco carnavalesco “Família Ideal”, onde já era conhecido como “Rouxinol”.
O menino, que mesmo contra a vontade do pai crescera cantando, em breve trocaria os ombros dos remadores pelos braços do público, e as ruas do bloco pelas janelas das amadas.
Em 1927, numa dessas serestas que realizava, foi ouvido pelo cantor de tangos Antônio Gomes, conhecido como Milonguita, que o levou para a Rádio Mayrink Veiga.
Dois anos depois, assinou contrato com a Rádio Sociedade, e em 1930, durante gravação do samba “Ioiô deste ano”, inventou o breque “Eba!”, que chegou aos ouvidos e conquistou ninguém menos do que Ary Barroso, que o levaria imediatamente para a revista musical “Brasil do amor”, apresentada no Teatro Recreio. Lá, Silviou Caldas lançou seu primeiro sucesso, dado a ele justamente por Ary, o samba “Faceira”.

“Foi num samba
De gente bamba
Oi gente bamba,
Que eu te conheci faceira
Fazendo visagem
Passando rasteira”

Após o primeiro sucesso, muitos outros vieram, e Silvio Caldas foi mestre em transformar em clássicos várias músicas do nosso cancioneiro, como o samba-canção “Maria”, de Ary Barroso e Luiz Peixoto, a valsa “Deusa da minha rua”, de Newton Teixeira e Jorge Faraj, mais tarde regravada por Nelson Gonçalves, a marcha “Pastorinhas”, de Noel Rosa e Braguinha, entre inúmeras outras. Além disso, venceu diversos concursos de carnaval e lançou o emblemático samba “Lenço no Pescoço”, iniciador da polêmica musical entre Wilson Batista e Noel Rosa. Para completar, cantou ao lado de Carmen Miranda e viajou à Argentina com a companhia de revistas de Jardel Jércolis. Em sua longa trajetória artística, Silvio também atuou em filmes e foi eleito em 1938 “Cidadão Samba”. A verdade é que àquela altura ele já tinha cancha de sobra para ser eleito “Cidadão Samba”, “Cidadão Valsa”, “Cidadão Marcha”, mas era acima de tudo, “Cidadão Música”.

“Dorme, deixa os meus cantos delirantes
Dorme, que eu olho o céu a contemplar
A lua que procura diamantes
Para o teu lindo sonho ornamentar”

Ao longo de seus 89 anos de vida, o pequeno caboclo nascido no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio, cresceu e foi cantar ao lado de nomes como Ciro Monteiro, Orlando Silva, Pedro Vargas e Elizeth Cardoso. Cresceu e sonhou com o ensino obrigatório de música popular nas faculdades brasileiras. Cresceu e se tornou grande parceiro de Orestes Barbosa. Em 1992, por proposta de Jorge Amado, recebeu a Medalha de Machado de Assis, concedida por unanimidade pela Academia Brasileira de Letras. Seus últimos 40 anos foram vividos em um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, de onde partiu “levando saudades, saudades deixando”, no dia 3 de fevereiro de 1998.

“Hei de guardar tua imagem com a graça de Deus
Oh minha serra eis a hora do adeus vou me embora
Deixo a luz do olhar no teu luar
Adeus”

O bigode, o violão, a atitude romântica. Quando Silvio Caldas cantava parecia estar sempre entre amigos, e de fato estava. Sempre disposto a reconquistar a mulher amada, chorar as mágoas, fazer declarações do amor que não tem mais volta. Sob uma janela e um luar, com o auxílio apenas de sua voz e seu violão, o Caboclinho Querido caminha sobre um chão de estrelas, vestido de dourado em um palco iluminado, eternamente seresteiro das perdidas ilusões.

“Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor”

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 23/05/2010.

segunda-feira, 17 de maio de 2010




Elizeth Cardoso, Divina Rainha da música brasileira.
Rainha negra, Mulata Maior que desde cedo cantava os sucessos de Vicente Celestino, e aos 5 anos subiu pela primeira vez ao palco.
Rainha que se sentava “naquela mesa” no meio do povo que chorava a morte de Jacob do Bandolim, o amigo que a levou para fazer um teste na Rádio Guanabara.
E ali começaria sua trajetória para se tornar estrela enluarada.
Logo, a menina nascida na Estação de São Francisco Xavier no dia 16 de julho de 1920, estaria entoando canções que seriam sucesso em todas as casas, todos os lares, todos os barracões de zinco do país. Elizeth seria em breve, a própria canção de amor que cantou.

“Nas cinzas do meu sonho
Um hino então componho
Sofrendo a desilusão
Que me invade
Canção de amor, saudade!”

Apesar do acalanto quente e suave de sua voz, e da delicadeza com que interpretava as canções, Elizeth não teve apenas flores no caminho.
Em 1939, devido aos baixos salários que lhe pagavam nas rádios, começou a se apresentar em circos, clubes e cinemas com o quadro “Boneca de Piche”, nome de música de Ary Barroso e Luís Iglesias.
O quadro era apresentando ao lado do humorista Grande Otelo e fez tanto sucesso que eles o repetiram por quase dez anos.
Com muita classe, domínio e categoria, Elizeth passava pelos espinhos e exibia novamente seu sorriso de rainha.

“Luminosa manhã
Tanto céu, tanto azul
É demais
Para o meu coração”

Após muitos sucessos nas rádios, Elizeth alcançaria também as luzes do cinema e da televisão.
Lançou em 1958 o disco Canção do Amor Demais, considerado inaugural da bossa nova, e em 1965 estreou na TV Record de São Paulo, ao lado de Cyro Monteiro, o programa Bossaudade, um dos mais queridos pelo público durante quase dois anos.
Arranhando os erres, lapidando notas, letras e ouvidos como quem aninha um coração perdido, Elizeth subiu ao palco do Teatro Municipal do Rio para cantar as “Bachianas Brasileiras número 5” de Heitor Villa-Lobos, e gravaria no mesmo ano de 1965 o LP “Elizeth sobe o morro”, fruto do espetáculo “Rosa de Ouro”, acompanhada por bambas do porte de Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros, Nelson Sargento, entre outros, num dos mais belos registros vocais de toda a música brasileira.

“Tua voz eu escuto
Não te esqueço um minuto
Porque sei
Que tu és”

A rainha Elizeth passou a desfilar sua voz mulata de nobreza pelos tapetes vermelhos dos 4 cantos do mundo.
Ao lado do Zimbo Trio e de outros amigos excursionou pelos 4 continentes: Europa, Ásia, Américas e África.
Era a conquista da menina que cresceu cantando Vicente Celestino e que mais tarde gravou com Silvio Caldas, que cresceu ouvindo as serestas de seu pai e o canto de sua mãe, que foi madrinha do clube carnavalesco “Bola Preta”, que chegou a atuar como atriz e apresentadora, que foi a vida inteira cantora.
Mais do que conquistar o mundo, Elizeth conquistava a lua, e se tornava enluarada, conquistava o povo, e se tornava a maior mulata, conquistava a corte, e se tornava magnífica, conquistava a todos, e era definitivamente Divina.

“Ah, o amor
Quando é demais ao findar leva a paz
Me entreguei sem pensar
Que a saudade existe”

No dia 7 de maio de 1990, há exatos 20 anos, Elizeth Cardoso foi ao encontro da paz que tanto trazia aos ouvidos daqueles que eram agraciados com sua música. Aqueles que iam em busca da voz que preenchia na medida certa os anseios por emoção e ternura. Só quem ouviu Elizeth Cardoso tem a certeza de que cantar pode ser divino.

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 16/05/2010.

segunda-feira, 3 de maio de 2010


1- No tabuleiro da baiana (samba-batuque, 1936) – Ary Barroso
“No tabuleiro da baiana”, composto por Ary Barroso em 1936, é um samba-batuque que traz em seu cardápio musical suingue e malemolência, em versos que soam tão deliciosos quanto os ingredientes do tabuleiro. Misturando elementos típicos da cultura baiana ao amor e ao samba e tornando-os definitivamente parte da mesma receita, Ary Barroso criou um dos mais famosos pratos da culinária musical brasileira. “No tabuleiro da baiana tem...”


2- Vatapá (samba, 1942) – Dorival Caymmi
Dorival Caymmi distribui todos os ingredientes típicos do “Vatapá” nos versos do samba criado por ele em 1942, e ainda adiciona um novo: a presença da nega baiana que saiba mexer. Esse samba de dar água na boca de quem o escuta, mexe com as cadeiras da nega e o paladar do baiano, temperando com camarão, pimenta, castanha do pará, gengibre e cebola, o rico cardápio musical criado pelo mestre Dorival Caymmi. É o vatapá baiano com dendê da boa terra, trazendo a influência africana e seu gosto forte para a música brasileira.


3- No pagode do Vavá (samba, 1972) – Paulinho da Viola
Quem nunca teve vontade de provar o famoso feijão da Vicentina? A receita que ficou famosa após ser cantada por Paulinho da Viola em samba composto por ele em 1972, é o grande motivo de festa “No pagode do Vavá” e atiça paladar e ouvidos daqueles que não são da Portela e não sabem que “a coisa é divina”. Mas se não é possível provar o famoso feijão, o melhor a fazer é se deliciar com esse bem temperado samba de Paulinho da Viola, “No pagode do Vavá”!


4- Peixe com coco (samba, 1980) – Clara Nunes
O “Peixe com coco” da Terezinha é outro prato famoso da música brasileira. No samba composto por Alberto Lonato, Josias e Maceió do Cavaco em 1980, a anfitriã nos convida a ir até sua casa e provar a receita, e ainda garante: haverá pinga, alegria e samba até o sol raiar. Além disso, muito tempero, atum, sardinha, ostra, siri e mexilhão. As delícias típicas do mar são apresentadas na voz límpida e iluminada de Clara Nunes, que as coloca uma a uma na mesa de jantar para que nossos ouvidos saboreiem esse samba de roda bem brasileiro. Não há quem resista ao “Peixe com coco” da Terezinha!


5- Feijoada completa (samba, 1978) – Chico Buarque
É com muita fome e a elegância habitual de suas canções que Chico Buarque, acompanhado de seu batalhão, pede para que a mulher bote água no feijão, jogue o paio, a carne seca e o toucinho, além de fritar os torremos, separar a laranja e a farofa e preparar a indispensável couve mineira. “Feijoada Completa”, samba de 1978, remonta às tradicionais e festivas feijoadas de domingo onde não falta boa comida e bebida, além da presença dos amigos. Aquela feijoada gostosa que cheira à distância é o prato principal da música de Chico e não há nada melhor do que saboreá-la ouvindo seus versos.


6- O preto que satisfaz (MPB, 1979) – Gonzaguinha
Em clima de festa, Gonzaguinha convida o papai, a mamãe, o filhinho e a filhinha para comerem o famoso feijão brasileiro, “O preto que satisfaz”. A música composta por ele em 1979 faz uma verdadeira homenagem ao feijão, uma das refeições preferidas dos brasileiros, e ainda o mistura ao arroz, o pão, a farinha e o macarrão, aproveitando para falar também da união que se faz entre as pessoas na hora de apreciarem o feijão, o “famoso pretão maravilha”. A música foi tema de abertura de novela na voz das Frenéticas e invadiu os lares brasileiros assim como o requisitado ingrediente, provando que o que Gonzaguinha falava estava certo: “Dez entre dez brasileiros preferem feijão...”


7- Torresmo à Milanesa (samba, 1979) – Adoniran Barbosa / Carlinhos Vergueiro

Adoniran Barbosa, cronista da fala e poeta da cidade, compôs ao lado de Carlinhos Vergueiro em 1979 o samba “Torresmo á Milanesa”, que fala sobre a dura realidade dos trabalhadores da obra. Os dois, ao lado de Clementina de Jesus, cantam um dos poucos momentos de prazer desses trabalhadores, quando o enxadão da obra bate onze horas e eles podem sentar na calçada, conversarem sobre isso e aquilo e principalmente comerem suas marmitas com ovo, arroz com feijão e o torresmo à milanesa da Tereza! Esse momento tão aguardado do dia é retratado nos versos de Adoniran com a simplicidade e beleza que tem a hora do almoço, que mesmo que aconteça na calçada e não tenha mesa, continua sendo sagrada e merecida.


8- O Rancho da Goiabada (MPB, 1978) – Elis Regina
“O Rancho da Goiabada”, música composta por Aldir Blanc e João Bosco em 1978 fala sobre a triste realidade dos bóias-frias brasileiros e as dificuldades que eles encontram até para se alimentar. Para esses bóias-frias, bife a cavalo, batata frita e goiabada cascão com muito queijo não passam de sonhos, e eles mal têm acesso a um digno prato de comida. Com a exuberância já conhecida de sua voz, Elis Regina canta o outro lado da fome, que ao invés da fartura traz falta, ao invés da satisfação traz sofrimento. Ao ouvirmos a canção, o que podemos esperar é que um dia a beleza da voz de Elis Regina e a beleza da composição de Aldir Blanc e João Bosco possa também rechear o prato de todos os brasileiros, todas as pessoas do mundo.


9- Tô voltando (samba, 1979) – Paulo César Pinheiro / Maurício Tapajós
Cheios de fome e de som, Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós criaram em 1979 um dos sambas mais gostosos da música brasileira. “Tô voltando” fala sobre saudade. Saudade de casa, das carícias da mulher, do som na vitrola e daquele feijão preto que só ela faz, que não se encontra em nenhum outro lugar do mundo. É um samba sobre amor, paixão, desejo, e em meio a tudo isso a falta que faz aquela comidinha feita em casa. “Pode ir armando o coreto e preparando aquele feijão preto, eu tô voltando...”


10- Linha de passe (MPB, 1979) – João Bosco/ Aldir Blanc/ Paulo Emílio
O trio João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio misturam todos os ingredientes a que têm direito para cozinhá-los no vasto caldeirão musical que compõe a música “Linha de Passe”, também de 1979. A idéia de juntar lingüiça, paio, bolo de fubá, chimarrão, angu e mexilhão acaba dando muito certo e resulta em uma das receitas mais bem escritas, tocadas e cantadas da música brasileira. Cozida, assada, frita e bem temperada, “Linha de passe” é de dar água na boca e fazer roncar o estômago de fome! Sirvam-se à vontade!


11- Brasil Pandeiro (samba, 1941) – Assis Valente
Acarajé, cuscuz e abará, todos esses pratos preparados com o molho da baiana, fazem com que o Tio Sam do samba de Assis Valente não resista ao sabor da comida e do samba brasileiro. Composto em 1941, “Brasil Pandeiro” dedica seus versos a cantar as delícias do Brasil, como seu samba, seu terreiro, sua gente bronzeada e sua rica culinária, que desperta até o interesse dos distantes norte-americanos. A música havia sido feita para Carmen Miranda, mas acabou sendo lançada pelo conjunto “Anjos do Inferno”. Mais tarde, em 1972, os “Novos Baianos” a gravaram com enorme sucesso.


12- Tico – Tico no Fubá (choro, 1931) – Zequinha de Abreu
“Tico – Tico no Fubá”, um dos choros mais regravados de todos os tempos, tanto no Brasil quanto no exterior, é uma obra prima de Zequinha de Abreu composta em 1931. Em ritmo que faz lembrar o alvoroço dos pássaros em meio aos farelos do fubá, a música ganhou mais tarde duas letras diferentes, uma de Eurico Barreiros, lançada por Ademilde Fonseca, e outra de Aloísio de Oliveira, lançada por Carmen Miranda. Apesar disso, ambas conversam sobre o mesma tema, em tom de diálogo as cantoras pedem ajuda para salvar o seu precioso fubá dos bicos dos famintos passarinhos. É um tico – tico no fubá que dá vontade de comer e dançar ao mesmo tempo!



13- Casa e comida (bolero, 1972) – Núbia Lafayette
Núbia Lafayette cantou em 1972 um dos maiores sucessos de sua carreira, o bolero “Casa e comida”, de autoria de Rossini Pinto. A música conta a história de uma mulher que cansou de sofrer nas mãos do marido que não corresponde ao seu amor e decreta: “não é só casa e comida que faz a mulher feliz.”


14- Cadeira vazia (samba-canção, 1950) – Lupicínio Rodrigues / Alcides Gonçalves

Não se nega um prato de comida nem a um desafeto. É essa a mensagem que Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves procuram passar no samba-canção “Cadeira vazia”, de 1950. Na música, o lugar onde acontecem as refeições ocupa o espaço central da história, e a cadeira vazia deixada por aquela que agora volta é o sinal do abandono, da tristeza e da decepção. Apesar disso, Lupicínio, com sua tradicional dor-de-cotovelo, oferece a ela o pão que lhe servirá como alimento, mas não servirá para perdoar os erros do passado, encerrando a canção com os magoados versos: “não te darei carinho nem afeto, mas pra te abrigar podes ocupar meu teto, pra te alimentar, podes comer meu pão.”


15- Qui nem jiló (baião, 1950) – Luiz Gonzaga / Humberto Texeira
O jiló sempre foi um alimento marginalizado na cultura brasileira por conta do seu gosto amargo, como já cantava Luiz Gonzaga em seu baião em parceria com Humberto Teixeira de 1950. Na música, Gonzagão utilizava o jiló para falar do tamanho da saudade que sentia de sua amada. Já na Comida di Buteco desse ano, o jiló está sendo utilizado para preparar diversos e saborosos pratos e acabar com sua má fama imortalizada por ditados como “sobrar que nem jiló na janta”. Ao som de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira lembramos o tema da Comida di Buteco desse ano, com o baião “Qui nem jiló”!


16- Disseram que eu voltei americanizada (samba, 1940) – Carmen Miranda
Em 1940, após um longo período sem se apresentar no Brasil, a portuguesa Carmen Miranda voltou à terra que a acolheu e foi recebida no aeroporto por uma multidão de fãs. No entanto, ao se apresentar a grã-finos no Cassino da Urca acabou tendo uma recepção fria por cantar algumas músicas em inglês. Acusada de ter ficado “americanizada” pelo tempo que passou nos Estados Unidos, Carmen gravou no mesmo ano o samba “Disseram que eu voltei americanizada”, de Luís Peixoto e Vicente Paiva, no qual era enfática: “enquanto houver Brasil na hora da comida, eu sou do camarão ensopadinho com chuchu!”, dando mais um exemplo da importância cultural da nossa rica culinária e de todo seu apreço por ela.


17- Yes, nós temos bananas (marchinha, 1938) – Braguinha / Alberto Ribeiro
João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, reafirmam seu orgulho do Brasil ao cantarem os versos da música: “Yes, nós temos bananas!”. A marchinha feita pelos dois em 1938 foi um dos grandes sucessos do carnaval daquele ano e trazia uma crítica bem humorada aos norte-americanos que insistiam em chamar os países da América Latina de “república das bananas”. Exaltando as qualidades da fruta que se tornou brasileira e ainda brincando com as exportações de café, algodão e chá mate, Braguinha e Alberto Ribeiro encerram a canção com os divertidos versos: “bananas para quem quiser!”


18- Prato fundo (marchinha, 1933) – Noel Rosa / Braguinha
Braguinha e Noel Rosa, dois dos maiores compositores da música brasileira, foram parceiros no grupo Bando de Tangarás e também em duas composições: “Pastorinhas”, que fez sucesso um ano após a morte de Noel, em 1938 e “Prato Fundo”, de 1933. Na música “Prato Fundo”, que acabou ficando pouco conhecida, os dois falam sobre os hábitos alimentares de uma família onde todos comem tanto que são precisos pratos fundos para agüentar tanta fome. Essa divertida marchinha foi lançada por Almirante, outro que participou do grupo Bando de Tangarás, e fala de comida do jeito que Noel Rosa e Braguinha melhor sabiam fazer: com inteligência e bom humor.


19- Último desejo (samba, 1937) – Noel Rosa
“Às pessoas que eu detesto, diga sempre que eu não presto, que o meu lar é o botequim, e que eu arruinei sua vida, que eu não mereço a comida, que você pagou pra mim”. É com esses versos que Noel Rosa encerra uma das canções mais bonitas da música brasileira. Composta por ele no final de sua vida, em 1937, Noel revela em “Último Desejo” a importância e a dignidade que trazem um prato de comida a uma pessoa, ao se colocar na situação daquele que nada tem, nada merece e nada quer. A sensibilidade de Noel era tão grande, que até para cantar as questões pessoais do amor ele as ligava a fatos do cotidiano tão comum a todos, e por isso foi chamado de Poeta da Vila e Filósofo do Samba. Noel alimenta os ouvidos daqueles que gostam de boa música.


Instrumentais:


20- Espinha de Bacalhau (choro, 1936) – Severino Araújo

Em 1981 ganhou letra de Fausto Nilo e interpretação de Ney Matogrosso e Gal Costa.


21- Corta-jaca (tango, 1897) – Chiquinha Gonzaga
Composta para a peça “Zizinha Maxixe”, de Machado Careca, com o nome de “Gaúcho”. Quatro anos depois ganhou letra de Machado e foi rebatizada de “Corta-jaca”, por ser dançada nesse estilo.


22- Doce de coco (choro, 1951) – Jacob do Bandolim
O “Doce de coco” do choro de Jacob do Bandolim é o nome carinhoso pelo qual o personagem da história chama sua amada. Nos versos escritos por Hermínio Bello de Carvalho em 1980, ele implora, pede, se humilha para que ela repense sobre o amor dos dois. Esse amor tão gostoso e irresistível que merece ser chamado de doce de coco.


Raphael Vidigal Aroeira

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