domingo, 27 de março de 2011




Quando o Brasil começou a fazer música brasileira e deixou de apenas importar contribuições externas, Ernesto Nazareth estava lá, com seu piano e sua humildade. Fã declarado de Chopin, o músico se notabilizou por não negar a qualidade musical que emergia de fora, mas inserir a esse contexto o que havia de mais Brasil e mais buliçoso em termos de musicalidade erudita e popular; ao mesmo tempo; sem barreiras limitantes. Muitos foram contra e a favor seu espaço em ambas as categorias, mas sua música ultrapassava ao conquistar unanimemente ouvidos e corações de figuras tão acaloradas quanto detentoras de status para certificar o real caráter de Nazareth, “a verdadeira encarnação da alma musical brasileira” para Villa-Lobos, com quem tocou, “um virtuoso do piano”, segundo Mário de Andrade, “genial” para tantos.



Odeon

O menino Ernesto Nazareth teve com a mãe as primeiras lições de piano, instrumento que conferia luxo e glamour para quem o possuísse no Rio de Janeiro do século XIX. Após a morte prematura da primeira professora, Ernesto intensificou os estudos com profissionais da área e fez das teclas suas ferramentas de trabalho. Apresentando-se na sala de espera do tradicional cinema Odeon a partir de 1910, dedicou a ele o que ficou conhecido como um de seus mais famosos “tangos brasileiros”, uma mistura de suas influências populares como o choro e o maxixe, com o cancioneiro erudito. Letrada inicialmente por Ubaldo para Dircinha Batista cantar, a música recebeu nova poesia em 1968, de Vinicius de Moraes, para interpretação de Nara Leão.



Brejeiro

Embora aclamado pelos mais renomados entendedores da área, que aplaudiam a obra de Ernesto Nazareth justamente pelo enlaço popular que ele produzia à sua técnica erudita, o próprio compositor não se orgulhava de tal feita. Insistia em rechaçar a influência do maxixe, considerada música pecaminosa à época, e em tocar composições do mestre Chopin em detrimento das suas, quando podia. Há inclusive relatos de que o pianista saíra chorando de uma apresentação de Guiomar Novaes, lamentando-se por não ter estudado na Europa. Seja como for, por querer ou não, ele produziu no ano de 1893 outra peça estupenda de seu largo repertório, também denominado “tango-brasileiro”, Brejeiro.



Ameno Resedá

Outro gênero bastante acolhido por Ernesto Nazareth foram as polcas. Delas compôs uma estimada quantidade para a música brasileira. A vigésima sexta recebeu o nome de “Ameno Resedá”, escrita em 1912 em alusão ao mais famoso rancho carnavalesco da cidade do Rio de Janeiro, cidade da qual o pianista apenas se ausentou para receber emocionantes consagrações em São Paulo e apresentar-se no Rio Grande do Sul e Montevidéu, no Uruguai.

Apanhei-te cavaquinho

Inicialmente designada como polca, “Apanhei-te cavaquinho” ganhou letra famosa de Darci de Oliveira e interpretação virtuosa da “Rainha do Choro”, Ademilde Fonseca, recebendo então, a nova designação. Tal feito ocorreu em 1943, tendo sido antes composta no longínquo 1915. A quantidade de regravações e exaltações feitas à referida música exemplificam o valor irrevogável da obra de Ernesto Nazareth.



Bambino

Ernesto Nazareth começou a ter problemas de audição quando caiu de uma árvore, ainda criança. Desde então, eles passaram a acompanhá-lo tal qual o piano. Diagnosticado com sífilis em estado avançado e já praticamente surdo, teve que ser internado na colônia Juliano Moreira, dedicada a pessoas com certo grau de loucura. Não foram raras as vezes em que fugiu e foi encontrado tocando compulsivamente um piano. Até que não mais voltou e faleceu nas águas de uma represa, dizem, em posição de criar mais uma das obras clássicas brasileiras, a exemplo de “Bambino”, o tango brasileiro que recebeu em 1913 letra de Catulo da Paixão Cearense, e mais recentemente, no ano de 2002, novos versos de José Miguel Wisnik, e a interpretação arrebatadora de Elza Soares.



Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 27/03/2011.

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