domingo, 28 de fevereiro de 2010




Adoniran Barbosa, poeta do chapéu, do terno, do cachecol e da gravata borboleta.
Afinal, ele vivia na cidade da garoa e precisava se proteger da chuva e do vento.
Mas a cidade da garoa era para ele muito mais que chuva e vento, eram as pessoas humildes que viam seus trens, seus sonhos, seus amores irem embora.
Adoniran Barbosa era um cronista irreverente, que cantava uma cidade que estava indo embora e aos poucos deixaria de existir para dar lugar ao progresso.
Mas o que jamais iria embora era a sua música, sua maloca, seu trem das onze que ele eternizou em versos.

“Não posso ficar
Nem mais um minuto com você
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora ás onze horas
Só amanhã de manhã”

Com voz rouca e bom humor, Adoniran burila a paisagem cinzenta da cidade e nos presenteia com os versos coloridos da canção.
Adoniran fala de Iracema, das mariposas que dançam em volta da “lâmpida”, do despejo na favela.
Com seu jeito simples de dizer coisas bonitas, Adoniran prova que falar difícil nunca foi certeza de falar bonito.
Falar bonito é dizer ao sentimento, e sem rodeios atingir com “frechadas” o peito.

“De tanto levar frechada do teu olhar
Meu peito até parece sabe o quê?
Táubua de tiro ao álvaro
Não tem mais onde furar”

Adoniran Barbosa é um cronista da fala, e a reproduz em suas músicas da maneira exata como ela sai da boca do homem apaixonado, do homem envaidecido, dos homens que vão ao samba, do povo que vê sua maloca destruída, com seu sotaque paulista caipira bem italianado.
A fala que representa não apenas o que o povo diz, mas como ele vê e sente as mazelas do dia a dia.
Adoniran Barbosa é o exemplo mais bem acabado da poesia do povo da cidade.
Mesmo entre fumaças, prédios e construções, o povo da cidade é poesia, e Adoniran Barbosa, seu poeta.

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 28/02/2010.

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