domingo, 8 de agosto de 2010




Deitado em uma rede branca que se balança entre os cocos da praia e as tiras do Diário de Notícias que ele precisa entregar, Oscar da Penha sente o sol abafado que a vida traz. Quando ele lhe dá um descanso e lhe oferece uma pequena sombra perto do mar, Oscar caminha até o encontro de Antônio Maria e lhe apresenta seu primeiro samba. Desse encontro nasce seu apelido que o tornaria conhecido de bambas da Bahia como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil e outros um pouco mais distantes como Chico Buarque, Jair Rodrigues, Paulinho da Viola e Jamelão. Ele que tinha começado imitando outro crioulo conhecido como Vassourinha finalmente tinha a chance de mostrar ao mundo as contradições do amor. As contradições da vida. Ele que por muito tempo caminhou sob sol a pino sem chance de nenhuma água, e por isso bebia a que ele próprio produzia e que recebia diretamente de seus olhos salgados e sensíveis. Olhos que eram enxugados por toalhas da saudade e que já eram diplomados em matéria de sofrer. Quando na Bahia se produzia um samba batata, com uma poesia requintada e triste, era de Batatinha!



“Tenho ainda guardada
Como lembrança do carnaval que passou
Uma toalha bordada, que na escola de samba
Um lindo rosto enxugou”

Tens o sorriso abatido e os olhos marejados Batatinha. Aqueles olhos caídos de quem sabe que o sofrimento é um costume e a felicidade passageira como o carnaval. Mas o mar da Bahia bate seu sofrimento na areia, ele se arrebenta e se transforma em mais grãos de areia. Na imensidão branca de frente para o mar ou em cima de sua cabeça percebemos a diferença. A areia é branca, seus cabelos são brancos, mas sua pele é negra e seu coração sofrido tem a cor da poesia mais bonita: uma cor sem distinção, uma cor indefinida, uma cor que é somente sentida.



“O que é que eu posso fazer
Se a esperança não quer se afastar do meu peito
Se a consciência me diz
Que o meu direito é ser feliz”

A tristeza arrastada de Batatinha e sua voz resignada pela dor de sua poesia carregavam em cada fio de cabelo branco que ele trazia na cabeça um fio de esperança que o conduzia pelas estradas de areia da sua Bahia. Batatinha lutou para ser reconhecido como compositor e para ser reconhecido pelo amor. Casou-se com Marta e teve nove filhos, mas continuava sofrendo das dores que não avisam a hora de partida. Foi gravado pelos maiores nomes da música brasileira, implementou elementos da capoeira no samba de raiz, inventou o samba-receita e foi elogiado por grandes críticos, mas continuava desconhecido e só conseguiu gravar dois discos em vida. Aquele negro terno de canto vagaroso e preguiça singela seguiu fazendo seu samba com pureza e nostalgia, e hoje somos nós que os temos: o samba de Batatinha e a nossa nostalgia.



"Se eu deixar de sofrer
Como é que vai ser
Para me acostumar?"

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 8/08/2010.

1 comentários:

Alessandra Rezende disse...

"Ele que por muito tempo caminhou sob sol a pino sem chance de nenhuma água, e por isso bebia a que ele próprio produzia e que recebia diretamente de seus olhos salgados e sensíveis"

"Aquele negro terno de canto vagaroso e preguiça singela seguiu fazendo seu samba com pureza e nostalgia, e hoje somos nós que os temos: o samba de Batatinha e a nossa nostalgia".

Você transmitiu mto bem o sentimento de dor q o próprio Batatinha parece passar através de suas músicas.
Principalmente nesses dois trechos! eu acho

Parabéns!!!!!!!!!!!!!

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