quarta-feira, 26 de janeiro de 2011




A artista Nara Leão podia parecer indefesa para aqueles que escutassem sua voz, mas não percebessem a presença explícita do que cantava sua boca, seus gestos contidos e sua interpretação diminuta. Nara era imensa como um leão. Não em seu corpo, de porte médio. Não em seus cabelos, cortados ao pé do ouvido. Nem em sua voz, de fato, pequena. Mas em sua participação como artista dentro daquilo que se convencionou chamar de música popular brasileira, bossa nova, samba do morro carioca ou tropicália. Nara Leão nunca foi uma cantora convencional. Mas convenceu a todos com seu timbre lisonjeiro e desafiador. Natural de Vitória, no Espírito Santo, morreu aos 47 anos, depois de lutar por uma década contra um tumor no cérebro. Se estivesse viva, completaria 69 anos na última quarta-feira.



O Sol Nascerá [A Sorrir]

Localizada na rua da Carioca, o bar Zicartola despertou o interesse de Nara Leão, que além de bossa nova gravou em seu disco de estréia três sambas, um deles intitulado “O Sol Nascerá” , também conhecido como “A Sorrir”, de Cartola e Elton Medeiros. Incluída no Show Opinião, a música tornou-se um dos maiores sucessos das carreiras de Cartola e Nara, e recebeu regravações de Isaura Garcia, Elis Regina, Jair Rodrigues, e muitos outros. O refrão solar traduzia bem o momento de seu autor.

Luz Negra

Nara Leão ouviu Nelson Cavaquinho cantar “Luz Negra” numa das visitas que fez ao Zicartola. A música, que na versão dedilhada por Baden Powell em 1961 tinha o nome de Irani Barros na parceria e quando foi lançada em 1964 o de Amâncio Cardoso, saiu no disco em que a estrela do espetáculo “Opinião” também cantava músicas de Zé Kéti, Elton Medeiros e Cartola. Um ano depois, a canção serviu de trilha para o filme “A Falecida”, adaptação de Leon Hirszman para a peça de Nelson Rodrigues, com orquestração de Radamés Gnatalli. Também em 1965, Nelson cantou seu lamento rumo à despedida no disco de Elizeth Cardoso, em que subiam o morro os sambistas Paulinho da Viola e Nelson Sargento.



Com açúcar, com afeto

Dos vários tipos de amor que existem, um deles é o que sufoca, machuca, maltrata. O outro é o que cuida, constrói, espera, prepara o café e o doce predileto. Em comum, o fato de serem amores e passarem por cima do sofrimento, da indiferença e da loucura para sobreviverem. Em 1967, Nara Leão cantou a resignada espera de Chico Buarque, “com açúcar, com afeto”.

Camisa amarela

“Camisa amarela”, música de Ary Barroso, mostra a vida da mulher que espera o seu amor antes, durante e depois do carnaval e se contenta com um pedaço apenas daquele imenso amor que ela tem para dar, pois sabe que jamais o terá por inteiro. Aquele pedaço que para as outras parece pequeno é o suficiente para completá-la. E ela precisa dele como o carnaval precisa de fantasias, máscaras e camisas amarelas. É a mulher que ama mais ao seu homem do que a si, e permite, deixa que ele goze de tal liberdade. No ano de 1967, Nara reviveu com graciosidade o clássico imortal de Ary Barroso.



Formosa

Nássara era um encantador de formas. Mesmo antes das notas e dos versos ele já trabalhava em suas linhas melódicas. Em 1928, chegou à Escola Nacional de Belas Artes e começou a desenvolver os pilares de sua paixão. Lá, formou um conjunto musical com Barata Ribeiro, Manuelito Xavier, Jaci Rosas, Luís Barbosa, e J. Rui, que se tornaria seu parceiro na canção “Formosa”, lançada por Luís Barbosa e gravada no carnaval de 1933 pela dupla Francisco Alves e Mário Reis. No entanto, foi a gravação da dupla Maria Bethânia e Nara Leão, em 1972, que fez com que novas gerações pudessem conhecer a música. Sob confetes e serpentinas as duas embalam os irresistíveis versos na trilha sonora do musical de Carlos Diegues, Quando o Carnaval chegar: “Foi Deus quem te fez formosa, formosa, ô formosa, porém este mundo te tornou presunçosa, presunçosa...”



Diz que fui por aí

Em 1963 Zé Kéti recebeu o convite para ser diretor artístico do Zicartola. Até que um dia chegou por lá Carlinhos Lyra, diretor da UNE e um dos integrantes do que viria a se chamar de bossa nova. Seria esse Carlinhos que apresentaria a Zé Kéti uma moça chamada Nara Leão, que era cantora e que gravaria em seu LP de estréia, com acompanhamento do violonista Geraldo Vespar, o samba “Diz que fui por aí”, no ano de 1964. A ditadura se instalava no Brasil enquanto o morro se unia à bossa nova da zona sul através da música e da boemia. Anos depois, a canção seria sucesso também nas vozes de Jair Rodrigues, Elis Regina e MPB-4, dentre vários outros.


Opinião

A união entre Zé Kéti e Nara Leão, que começara com a gravação daquela música sobre as andanças de um boêmio, se estenderia até os palcos de teatro sob o nome de “Opinião”. A música composta por Zé Kéti sobre o processo de remoção de favelas que era executado pelo governo da Guanabara, seria o mote perfeito para que no final de 1964 os artistas pudessem dar o seu primeiro grito de liberdade silenciada.

"Podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião"



Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 23/11/2011.

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