domingo, 26 de junho de 2011

Músico demonstra carinho e admiração por artistas marginalizados




“Eu sou nada e é isso que me convém, eu sou o sub do mundo, o que será, o que será, que me detém?”. Lobão sempre marcou território como contraponto do panorama nacional e invariavelmente se insurge contra vozes totalizantes. Os versos de El Desdichado II servem como pequena amostra desse papel fundamental em que o artista atua. Especialmente numa sociedade cada vez mais preocupada em fechar sentidos e definir padrões de experiência estética superiores. Para atender ou quebrar as expectativas, o músico concedeu entrevista durante noite de autógrafos na livraria FNAC, e foi só elogios a nomes esquecidos pela grande mídia e estimados por ele. A lenda de que o temido lobo não compreende afagos desfez-se como um novelo mal tricotado.

R.: Como foi a história do violoncelo que você deu de presente ao Jards Macalé? Ele contou que vocês se encontraram no Baixo Leblon de madrugada e 8 meses depois chegou encomenda do ‘senhor Lobão’.
A história é mais complicada. Ela começa em 95. O Jards queria aprender a tocar violoncelo e eu tinha um. Aí fomos para o meu apartamento, eu morava no 18º andar e acabou a luz. Isso impossibilitou que a gente tocasse. Então a gente sempre se encontrava no show do Paulinho da Viola e tocava no assunto. Até que eu me mudei para um apartamento menor e aquele violoncelo virou um ‘trambolho’ dentro de casa. Liguei para o Jards, falei: ‘você quer aprender a tocar?’. Ele disse que queria. Inclusive não sei como acaba a história. Se ele está tocando ainda.

R.: Ele me contou que pegou uma tendinite e acabou doando para uma amiga que dá aula de música no Complexo do Alemão.
(Risos) eu sabia que isso ia acontecer. Macalé é uma figura admirável. Por quem eu tenho muito carinho. É um gênio. E muito engraçado. Deprimido e engraçado. Igual a mim. A gente vai fazer muita coisa junto ainda. Naquele momento, ele queria estudar violoncelo e eu violão clássico. Ele toca um violão sensacional, então eu mostrava o que aprendia de Villa Lobos. É um intercâmbio maravilhoso.

R.: Fale um pouco sobre o Sérgio Sampaio.
Sérgio Sampaio foi uma vítima da Tropicália. Ele, assim como o Tom Zé e o Jards Macalé foram bypassados pela famosa ‘máfia do dendê’. O Macalé produziu o melhor disco do Caetano Veloso (Transa) e não recebeu os créditos. A partir dali, ficou isolado da música brasileira. Isso aconteceu com o próprio Sérgio Sampaio, o Raul Seixas e todo mundo que não entrou naquela onda. Todo mundo que era mais ou menos legal desapareceu. Ficou Gil e Caetano.

R.: Como foi seu encontro com o Paulinho da Viola?
Paulinho da Viola é uma das pessoas mais delicadas que eu conheci. Frequentei a casa dele na época do (álbum) ‘Nostalgia da Modernidade’, para mostrar umas composições minhas. Ele ouviu o CD atentamente 3 vezes, com uma minúcia impressionante. No final ele disse que eu estava cantando mais suave, elogiou minhas músicas, que nunca imaginaria fazer samba daquele jeito. Mas pediu para que eu não abandonasse o rock, que ele também gostava muito. Um dos caras que você tem a impressão de ser mais tradicional, com essa percepção ampla. Paulinho da Viola é um privilégio raro.

R.: E com o Nelson Gonçalves?
Nelson Gonçalves virou meu parceiro, meu brother, meu irmão. Um cara totalmente rock´n´roll, que eu chamava de senhor e recebia xingamento em troca. Fiz uma música para ele que gravamos juntos, ‘A Deusa do Amor’, inspirada no repertório passional que ele interpretava. Ele chegou a me chamar de filho algumas vezes (risos).

R.: Sua autobiografia, ’50 anos a mil’, escrita em parceria com o Cláudio Tognolli, inicia-se com o episódio do enterro do Júlio Barroso em que você e Cazuza se viram órfãos. Fale um pouco sobre o Cazuza.
Eu era o melhor amigo do Cazuza. Mas ele foi vítima do próprio amor da família. Ele morreu e a família quis transformá-lo numa coisa MPB. Aí ficou nem barro nem tijolo. Higienizaram a obra dele. Eu brincava com ele, ‘tu vai morrer duas vezes, porque quem vai escrever o prefácio da sua biografia vai ser o Caetano Veloso’. Não deu outra. Se você perceber, o Caetano exalta o Cazuza como um cara muito bom daquela época, dos anos 80. É como elogiar os ombros do Paulo Ricardo. O Paulo Ricardo toca bem contrabaixo, canta bem, tudo bem. Mas os ombros são maravilhosos. Então ele é muito cruel, nesse ponto. Eu falava, ‘Cazuza a gente precisava ter uma ruptura’. Mas ele gostava muito de Dolores Duran, samba-canção, música brasileira, então ficou meio na dúvida em dar aquele salto.

R.: Para finalizar, Júlio Barroso?
Uma pessoa das quais eu sinto mais falta. Eu anuncio com a morte do Júlio Barroso, em julho de 1984, o fim do rock nacional. Isso tudo está no livro.

Livro: Lobão – 50 Anos A Mil
Autor: Lobão com Cláudio Tognolli
Editora: Nova Fronteira
Preço médio: R$35




Raphael Vidigal Aroeira

Publicado no jornal "Hoje em Dia" em 25/06/2011.

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