segunda-feira, 15 de março de 2010




O morro sempre teve melodia.
Sempre teve música entre seus caminhos.
Caminhos tortuosos, de subidas difíceis e perigosas descidas.
Mas caminhos que apesar das dificuldades sempre criaram bonitas canções.
Caminhos de Cartola, de Wilson Batista.
Caminhos de Carlos Cachaça, de Ismael Silva.
Caminhos dos bambas, dos passistas da escola de samba e da vida.
Das mulatas guerreiras que erguiam suas latas d’água na cabeça e seguiam em frente, em direção ao novo dia.
Canções que foram feitas para o céu, para Ave Maria, pras cabrochas de pé no chão.
Canções que nasciam de um simples batuque em cima de uma velha caixinha de fósforos.
Canções da alvorada, de sinfonias de pardais.
“alvorada lá no morro que beleza, ninguém chora, não há tristeza, ninguém sente dissabor.”
Morro do samba, do batuque, da cerveja.
Morro da malandragem, do violão, do pandeiro.
Morro da Mangueira, da Conceição.
“o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar”
Morro da saudade.
Eu sou do tempo que te respeitavam.
“eu sou do tempo que malandro não descia, mas a polícia no morro também não subia”
Você não existe mais meu morro, você não existe mais...
Parece que os santos te abandonaram.
Os anjos foram embora e o seu céu está pintado de sangue.
Mas eu não desisto, morro.
O morro agoniza, mas não morre.
Lá no fundo eu guardo a certeza, de que esse vermelho sangue que hoje te pinta, ainda há de transformar-se em fogo, e esse fogo queimará a ponta do cigarro do malandro, e esse fósforo que o acendeu, mesmo queimado, retornará à sua caixinha, pra que ela sirva de instrumento pro batuque do morro.
A canção do morro.
A melodia do morro.
“pois quem mora lá no morro já vive pertinho do céu”
E esse seu céu que hoje é vermelho, será azul de novo.

Raphael Vidigal Aroeira

Lido na Rádio Itatiaia dia 14/03/2010.

2 comentários:

M. van Petten disse...

Muito, muito phoda
Falou com propriedade!

Alessandra disse...

Lindooooo!!!!
ao ler, parece q entrei no morro num dia de domingo!
arrazou!!!

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