quinta-feira, 16 de setembro de 2010




Em meio à lona de um circo aos pedaços, o cantor entra, começa a cantar e é sumariamente vaiado. Recebido com apupos e desaforos, uma flor que cai sobre seus pés lhe serve como consolo. Quando ele então percebe que quem atirou a flor foi sua amada, os dois logo se casam e ele promete trazer-lhe, como prova de seu amor, o coração de sua mãe. No entanto quando ele volta, já com o coração na mão, sangrando e com a perna partida, sua amada havia fugido com outro e deixara consigo apenas uma pequenina boneca de carne: sua filha, que passa a ser a única razão da sua vida e o único motivo que lhe resta para cantar, o que se desfaz quando Deus a leva para a eternidade. Ele então se entrega à bebida e os outros que passam em frente ao bar, ao vê-lo chamam-lhe: “Ébrio, Ébrio.” Essas cenas de tragédias repetidas nunca aconteceram na vida de Vicente Celestino, mas ele as adorava, e por muitas vezes as viveu com o coração na mão, dentro das telas do cinema ou em cima dos palcos de teatro, chopes e rádios. Vicente Celestino, aquela voz de tenor atravessando o corpo sofrido daquele pequeno descendente de italianos e a alma passional dos brasileiros que o adoravam: “A Voz Orgulho do Brasil!”



“Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer
Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou”

Ao contrário do que propagava aos borbotões com seu canto de trato lírico e suas letras que falavam de desamores, Vicente Celestino sempre gozou de enorme sucesso junto ao público e viveu casado com a também cantora, atriz e cineasta Gilda de Abreu por 35 anos. Desde que começara a cantar na tenra idade de oito anos e o tenor italiano Enrico Caruso quis levá-lo para a Itália que o público já ficava embevecido, encantado, dedicando os píncaros da glória a Vicente Celestino, que derramava com abundância sua voz grave e extremada e era aplaudido de pé por vários minutos seguidos. Aliando sua voz possante a uma interpretação dramática e arrebatadora, Vicente Celestino se tornou sem dúvida um dos maiores nomes da música popular brasileira, tendo cantado durante 65 anos de sua vida, sempre recebido com aplausos e homenagens. Em sua voz, muitas frases tornaram-se célebres, como por exemplo a que encerrava de maneira certeira o filme O Ébrio, onde ele arrematava: “Eu disse que perdoava, mas não disse que me reconciliava.”



“Ontem, ao luar
Nós dois em plena solidão
Tu me perguntaste o que era a dor
De uma paixão
Nada respondi
Calmo assim fiquei
Mas, fitando o azul do azul do céu
A lua azul eu te mostrei”

Já aos 74 anos, Vicente Celestino viveria ainda seu último momento de glória, coroando uma carreira onde o carinho e o reconhecimento do público estiveram sempre presentes. Em 1968, Caetano Veloso gravaria uma nova versão de sua música “Coração Materno”, simbolizando a antropofagia do Movimento Tropicalista que revolucionava as concepções pré-estabelecidas da música brasileira. A repercussão seria estrondosa, como tudo que sempre cercou a carreira de Celestino, e ele seria convidado para uma homenagem televisiva feita pelos integrantes da Tropicália, no dia 23 de agosto de 1968. No entanto, Celestino se despediria antes, para pela primeira vez receber os aplausos do público sem que fosse preciso cantar. Arte que ele desenvolveu tão bem por mais de quatro décadas.



“Disse um campônio à sua amada: "Minha idolatrada, diga o que quer
Por ti vou matar, vou roubar, embora tristezas me causes mulher
Provar quero eu que te quero, venero teus olhos, teu corpo, e teu ser
Mas diga, tua ordem espero, por ti não importa matar ou morrer"

Raphael Vidigal Aroeira

2 comentários:

Anônimo disse...

Show de bola!

Fonte Boa.

Ana Paula Braga disse...

Cresci e amadureci, musicalmente, ouvindo minha amada avó Therezinha cantarolar seu bom gosto diariamente por toda casa. Em meio aos assobios fininhos e sua linda voz, sempre afinada e serena, por sinal, as célebres canções de Vicente Celestino estavam constantemente presentes em seu repertório... "Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer"... Cada dia era uma homenagem, uma música diferente, um aprendizado para mim. Ela canta encarando meus olhos, como se estivesse me ensinando, sem dúvida estava, o que cada melodia tem a nos dizer! Aplausos para minha Theresinha da mpb e aplausos também para o lindo texto do meu amigo ph... Um doidinho inteligente! Valeu o testemunho, né?!

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